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Foto: © Andrew Baker

Médicos e uma mulher de vestido florido não paravam de me olhar, parecendo preocupada ao lado da cama do hospital, eu estava deitado e com dor. Fechei meus olhos novamente, e acordei só depois das 22h da noite, paralisado, não conseguia mexer as pernas, tinha tubos que me sugavam.

Não sabia seu fui capturado por alienígenas ou estava apenas sonhando. Imóvel e com medo, a mesma mulher que vi antes de vestido florido se levantou da cadeira ao meu lado, e com um tímido sorriso me perguntou como eu me sentia. Ali, não consegui nem fazer um sinal com a cabeça. Olhei para baixo e vi um curativo perto da minha barriga. A olhei de volta pensando em como sobrevivi.

Um médico entrou na sala e depois em explicou a compatibilidade de sangue que ela tinha com o meu. Não entendia nada. Nesses dias que estive no hospital e ela foi tão legal, e tínhamos coisas em comum. Não conhecia ela, e sua bondade era boa demais para uma pessoa só, me perguntava o que ela queria ganhar com isso. Fechei os olhos e dormi de novo. Os dias seguiram e ela continuou a me visitar, me trazendo bolos e presentes. O mais legal foi um boneco de super-herói, mesmo fraco me distraia nas tardes que ela nem sempre passava comigo.

Na manhã de sábado, o mesmo médico, de cabelos grisalhos, simpático veio até meu quarto e me disse que estava liberado, e que eu podia ligar para a minha família me buscar. Mesmo com medo, não queria ficar e nem voltar para ninguém. Perguntei onde estava a moça e ele me disse que estaria aqui novamente para se despedir. Meu coração cortou aos pedaços, aquele vazio e a pressão de ser forte novamente para conseguir cuidar de mim sozinho aumentava ao passar das horas. Era a hora de me cobrar novamente, de encarar a realidade.

Quando ela voltou, minha mão suava de nervoso, perguntei pra ela seu nome, ela então disse que se chamava Daniela. Era claro que ela ia me denunciar para o orfanato. Mas as coisas mudaram quando me disse que doou um rim dela para mim, depois que eu sofri o acidente. Bom, era com certeza a melhor coisa que alguém já fez por mim. Ela chamou para ir embora, eu disse que não queria voltar pra lugar nenhum. Então ela me disse que iríamos passar o Natal com minha nova família.



Estava tremendo, fazia frio como qualquer outro inverno. Meu coração acelerava mais a cada minuto por conta do medo daquela escuridão vazia. Fui parar lá porque fui deixado na rua. Estava de moletom, e uma blusa de frio que me protegia até o pescoço. Foi um engano ser deixado ali. Meu celular não tinha mais bateria. Me restava procurar um orelhão, e logo. Comecei a andar, e vi a placa enferrujada da rua num poste. Pensei em situações que poderia sair se algo ruim se aproximasse. Fechei meu punho, como um corajoso homem que meu avô me ensinou a ser, olho para a frente sem piscar e vou indo em uma única direção. 

Se alguém vir do meu lado, penso em pegar logo qualquer tijolo que estaria jogado na calçada de uma das casas e saio em disparada para me proteger. Se vier com arma, corro mais rápido que puder. Se ouvisse passos atrás dos meus, olharia para trás para ter certeza e pararia na frente e olharia nos olhos do sujeito, fazendo o crer que se arrependerá de ter me seguido com más intensões.

Pisco mais uma vez, e volto a olhar para rua com pouca luz. Imaginar situações em que sou forte me faz esquecer do medo. Sobreviver é mais importante do que outra coisa nesse momento, e não importa como. De vez em quando via pequenos seres, urubus, que queriam minha carne, prevendo minha morte para se alimentarem. Lobos com seu grupo apenas observando, para depois rasgar a minha pele e dividir com outros do seu grupo. Percebi que o medo afeta, e me deixava mais paranoico a cada passo. Precisava sair, me deixe sair!

Acordei. Me aliviei na luz do dia que vinha pela janela com grades. Mais um dia, aqui, nesse abrigo. Minha história nem começou e ainda tenho muitos anos. O sol não é para todos. Esse é mais um dia nublado, aprendi a ser vítima e ao mesmo tempo um culpado.

Procuro minha mãe todos os dias nos meus sonhos. E espero, aqui nesse céu quadrado. Mas ainda serei do mundo, viver aventuras como nos desenhos animados, e ao mesmo tempo ser herói. 

Já passei por vários “pais” diferentes. Uma vez, um casal me olhou com dó para depois levar para casa deles. O nome dela era Isabel, e ele Pedro. No primeiro dia na casa deles, me levaram direto para o banheiro, em uma conversa curta antes de chegar no carro, perguntavam se eu me importava em ter pais brancos. Diferentes de mim, negro e quase um esqueleto. Não respondi, fiquei tímido, no meu canto e apenas acenando não com a cabeça, fingindo que não me importava a diferença que enxergavam em mim.

Sempre ficavam de olho em mim pela casa, olhando o ambiente. Lembro-me que tinha um pássaro banhado a ouro em um móvel que ficava na sala para enfeite. Quando me aproximava a ver aquela beleza, tiraram minha mão rapidamente do objeto. Não entendi o porquê, e no dia seguinte me levaram de voltava para meu quarto antigo.

 Fui dormir pensando que não merecia amor, e nem daria, não era digno. O moço que andava sempre de gravata e que ficava numa sala, me chamou e disse que naquele ponto seria difícil eu arranjar novos pais depois que eu tivesse 3 anos. Eu tinha 11 anos, e agora restou eu escolher ou ser escolhido?

Foi em uma madrugada que comecei a pensar, e seu sair daqui e encontrar coisas melhores lá fora. Comecei a ver os horários de visita, e os horários dos seguranças. Não foi difícil, porque o que eu tinha que fazer é sair com uma família até lá fora. Disse para eles que dessa vez tinha certeza que seriam meus novos pais, que os anteriores não eram iguais a eles.

Me levaram de carro, e sentei no banco de trás. Percebi que não havia tranca automática, e no farol vermelho, abri a porta do carro e sai em disparada para outro lado da rua no meio de tantos outros carros. Não queria parar de correr, me chamavam desesperados, mas nem tive vontade de olhar para trás. Segui para frente o quanto podia. Um carro veio descontrolado em minha direção e me atingiu com tanta força que não tive como desviar. Apaguei. 

Continuação.
Sempre quis inspiração, no vento que toca as flores e suaviza todo o ambiente cheio de caos. Em como as coisas simples são completas e trazem uma paz. Você me congelou e me trouxe essa paz, esse momento que é parado porque nada ao meu redor é mais importante do que estar com você. 

Sempre me dizia ‘venha me ver’, enquanto eu corria com medo pensando que você jamais me diria isso. Enquanto eu voltava, estava chorando, em agonia, e meu coração apertava. Vou te ver, volto se me quiser. Não me deixe em confusão com sua ternura e toque que me agrada a alma e coração.

Nessa imensidão de pessoas, que são escolhidas como objetos, me alterno num mundo paralelo onde eu possa te reviver em minha mente. O detalhe da sua boca, seu cabelo cheiroso e sua pele macia e perfumada. 

A cada esquina vejo uma imagem sua, mas quando me viro para ter certeza, são só pessoas passando na rua com seus celulares e olhares desatentos. Será que é loucura te ver como se eu fosse o único que observa a vida sem você? 

Passe por aqui, e te guiarei no caminho mais detalhado, sem hesitação, sem joguinhos de sedução e sem nenhuma mentira. Há tanta coisa a ser escrita, que prefiro que a gente não leia nossa história, mas viva como principais personagens. Por isso, me traga mais inspiração para juntos terminarmos nossa história.

Aquilo se diluía num único espremer. Não sei expressar ao certo como aquilo saía de sua cabeça. Parecia cinza e tinha algumas cores. Como o vermelho, vindo de um buraco profundo. Naquela parte era o que mais espremia, mas parecia não se espalhar e se dividir. Desperdício, talvez por existir o vento e dissolver até juntar ao nada, como a gravidade do espaço num momento certo, quando surge uma bola de energia e espalha como a aurora boreal.

Tinha muitas pedras que me machucaram quando eu estava perto. Talvez a tenha machucado também, por dentro. Não pude evitar, não poderia sair dali quando estava ao meu alcance. Não ousaria, me alimentava dessa energia que me fazia enxergar a vida mais clara e melhor. Dias e noites. Ela parecia mobilizada em pequenos fragmentos que flutuava em sua volta. Queria rouba-los para devolve-los de alguma forma para dentro de seu corpo para vê-la bem. O vazio tornava a aumentar.

01h00
Não jantei, e sinto um buraco no meu estomago. Parece que não como há dias por falta de vontade. Sai da cama. A casa estava toda escura, nada de anormal. Peguei o meu celular para ver as horas. Me levantei e tive uma ânsia, me sentindo mal fui até o banheiro para por pra fora o que não me pertencia. Olhei no espelho, minha expressão de enjoo não era nem a metade do que tinha dentro de mim.
Tive uma súbita vontade de sair dessas quatro paredes, fumar um cigarro lá fora, tragar e esfumaçar tudo para dentro de mim, como uma cegueira temporária que talvez me fizesse um alívio. 
Se eu apagasse todas as luzes dos cômodos da casa que eu tinha passado, o escuro ficaria vermelho, algum feixe de luz ficaria escuro, e eu ficaria transparente de dor.
Meu coração começou a acelerar. Como um disco velho, a repetição de lembranças dele tinha um tom repetitivo que não parava. Mal sabe ele que me fere todos os dias nos olhos e no pulso. Como se me matasse a cada dia ao extrair o vermelho que substitui minha escuridão. 
Acordei como que se eu tivesse tido um coma. Percebi o meu redor e me deparei de novo com as horas.



Imagem: johnny_automatic


Os carros passavam com os faróis acessos,  via-os com os lábios ressecados e pele queimada pelo sol. Olhou sua boneca junto ao seu corpo e a abraçou num gesto de maior carinho. Você me ama? Olhou-a fixamente e depois a carregou segurando-a com cuidado ao caminhar sem poder acordá-la, foram num lugar mais claro.

Ninguém foi bondoso naquela noite, os homens são maus, preferiam vê-la parada com fome e frio naquela beira de estrada sem ter pra onde ir. Por que ninguém não oferece uma carona? Quero muito ir embora daqui.


Giovani assim que chegou à sua mesa descarregou de seus ombros a mochila pesada que precisava carregar todos os dias. Olhou para os dois lados, tinham as mesmas pessoas passando por ele que diziam olá com um sorriso igual a do Coringa. Por que eu estou tão sério? Foi tomar um café, o dia parecia mais chuvoso. Um homem que conhecia só de longe comentou com ele sobre isso ao vê-lo ver o céu pela janela, parecia querer puxar papo. Porém logo saiu de perto, entediado como cara de poucos amigos.
Quando te vi fechar os olhos, não apenas o vi. Senti a sua leveza como uma onda calma vindo do mar com tempestade. Foi uma visão linda e sem medo do que eu mais enxergava em você, uma essência necessária que eu não conseguia suprir. Pois quando você dormia, minha alma se enchia de sonhos criados, ainda mais pelo silêncio que não estava ensurdecedor.

Concentrei-me sem dificuldade no sentimento que era ver você dormindo. Eu não poderia machuca-lo, e, foi exatamente o que não pude fazer. Mas nós soubemos que você tinha um mapa com outro caminho. Seria óbvio demais dizer que nós dois não iríamos nos machucar.

Vi você aquele dia, em pequenas partes da sala, o lugar que você lia os jornais e ouvia suas músicas loucas. Estava presente em lembranças como se fossem cenas de um filme velho. Apesar de sempre te chamar de meu, continuo com o que você pôde me devolver. Não pude entrar nesse mar turbulento, não havia barco ou qualquer outro meio. Não de novo, me aventurar, sem saber onde pisar.

De repente despertei, foi mais um sonho desviado. Esta noite, me concentro novamente nos sonhos que saem dentro de mim que nenhum dia pude realmente acreditar sem pôr uma razão. Pois não há, sentimentos são realmente inexplicáveis.


Ontem à noite com Vanessa e Beto foi memorável. Roberta nunca tinha se divertido tanto desde que sua mãe morreu. Pegou o celular e escreveu uma mensagem de texto dizendo: “E aí? Ontem foi demais. Encontrem-me no Open Bar às 23h, ok? Se não puderem me avisem. Beijos”. Assim que enviou para os dois, foi tirar mais um cochilo. Eram nove horas da manhã quando adormeceu na cama outra vez.


Acordou mais tarde com uma dor de cabeça. Seus olhos estavam sensíveis à luz que atravessava da janela. Tinha sonhado com o Beto. Não foi como daqueles sonhos que se volta ao passado numa única noite. Numa mistura de cenário, mesmo que ele não estava, sentia sua presença, e era diferente. Como se ele estivesse o tempo todo consigo. Na memória, bem escondido. Não era difícil de imaginar do porque que tudo isso aconteceu. Justo porque ele está mais perto.


Roberta foi para o bar. Os dois estavam esperando-a. Vanessa, sentada na frente de Beto. Os dois estavam no canto da mesa, perto da janela. Ao lado dele tinha um rapaz, que parecia ter a mesma idade dele. Um amigo novo talvez? Nunca tinha ouvido falar, presumia que Vanessa também não saberia dizer quem era ele.


Sentou-se, cumprimentou todos com um gesto de saudação e disse um “oi” e um “Prazer em conhecê-lo. Sou Roberta, você é...?”. Antes de ele falar, Beto a interrompeu:


— Trouxe um amigo, Roberta. Vocês não sabem, pois sempre tive receio de que vocês responderiam de forma negativa. Naquela noite foi muito bom revê-las, e quando soube que vocês não eram machistas, preconceituosas como várias pessoas que encontrei na minha vida, quero dizer a vocês: Este é Claudio, meu namorado.


Ele não teve medo de dizer. Roberta estava chocada, isso explicava a aliança no dedo dele, o jeito como agiu, sem tentar nada com as duas na noite passada. Se o paquerasse, ia ficar frustrada, não seria um paquera difícil de conseguir, mas talvez impossível?


Tinha reparado Beto não tinha um jeito que todos pudessem desconfiar. Sentou-se perto de Claudio e sussurrou:


— Você é muito bonito. Pode falar vocês dois estão brincando que eu sei.


Desaproximou-se do ouvido dele e o beijou no rosto. Quando olhou em volta, Beto estava com uma expressão estranha, e Vanessa fazia um sinal frenético, tentando dizer para ela sair de lá.


Beto saiu da mesa de raiva sem dizer nada. Roberta saiu de a mesa para-lo e reverter à situação. Era uma vergonha que até o garçom sentiu, seu rosto estava vermelho, marcado pela expressão do constrangimento. O farol estava aberto, e passando dele, Beto, com seu carro a mil por hora.


RETORNO


Roberta voltou, onde estava Vanessa e Claudio. Sentia-se constrangida e arrependida por aquela situação.


— Bem… Eu não sabia que ele reagiria daquele jeito, me desculpem, vou embora. – saiu as pressas do lugar.


Passado algumas semanas, Renata foi viajar para o interior para por de qualquer jeito sua lógica em ordem. A cidade era no litoral, tinha praias, calor e água de coco.


Foi ao encontro do mar e sentou-se na areia, com a bagagem e cansaço nos olhos, parou para sentir o vento e o barulho das ondas. Num momento, ela se lembrou da esperança que teve de Beto, queria que ele sentisse ciúme dela naquele dia. Muitas coisas que tinha saído sua realidade não apenas a levava a refletir no que tinha acontecido, mas no que sentia. Foi um apego sem desculpa, um teste inútil e imaturo.


Viu o céu estrelado e as ondas cada vez mais silenciosas e menores. Se ele a visse, pediria para ele remover a maquiagem borrada de seu rosto escorrida pelas lágrimas.


Num momento quando percebeu uns grãos de areia na sua mão se assustou. Ao virar para o lado viu Beto sentado ao seu lado. Os dois se entreolharam e sorriram juntos. Ela continuou por um tempo a olhar o mar, parecia calma e ao mesmo tempo perdida. Ele pegou a mão dela e a levou para seu peito direito, fazendo a olhar novamente em seus olhos. O quão rápido estava o coração dele que batia, e foi então que ele a abraçou e sussurrou em seu ouvido: “Te ver longe de mim só me fez me esquecer o quanto gosto de ti, não sei o que realmente aconteceu, mas hoje, não te deixo sozinha”.

A partir daquela hora quando entrei naquele trem, um aviso de “mantenha-se seguro, em breve estaremos partindo” me alertou onde eu realmente estava: em um trem velho, antigo. Daqueles de filmes românticos que participam de cenas de despedidas de casais que se encontram anos depois.

Passei pelo corredor de janelas enferrujadas afim de tentar me acomodar. Mais pessoas iam chegando a cada minuto. Por um breve momento achei que teria pegado o trem errado. De um destino sem fim e sem meia volta. Todo aquele esforço de pensar em como poderia voltar e encontrar a saída daquele lugar poderia ser em vão, e assim fui indo, empurrada sem poder voltar por onde eu vinha.

Acabei por encontrar um cabine vazia e aparentemente muito melhor do que as outras. Pensei em como estava com sorte. De lá, consegui enxergar a paisagem sem ver alguma ferrugem exposta. Me deitei ali mesmo, absorvida da mudança da paisagem a cada segundo a mais de velocidade que o trem alcançava.

Numa hora, já a noite, o frio predominava e me obrigava a me encolher sem ter por onde me aquecer. Nessa viagem, nunca soube quando acabou e o que foi ,mas confesso parece que nunca acabou, pois ainda nem sei minha estação final.


Numa típica manhã de um novo ciclo, acordei com os gritos de um vizinho da casa da frente. Meu bom humor pós-apocalipse fracassado de repente se esgotou. Abri a janela e flagrei uma típica cena de novela misturado com reality show. As pessoas que passavam pela casa não paravam de olhar e perceber os dois brigando. As pessoas se tornaram tão fiéis que cochichavam entre si palavras maliciosas e intrometidas. Como se sentissem no direito de ser uma plateia de um romance em crise.

Pensei comigo mesma: não irei prestar atenção, não é da minha conta. Mas isso se tornou inevitável. Havia muito barulho que hesitavam meus pensamentos.

Logo, isso teve um fim até a decorrência da tarde, quando todos comentavam de uma nova briga que acontecia num programa de reality show que passava na TV.

E lá estava eu, olhando por atrás de minha própria fechadura. Ao ouvi-los brigando, um espelho se concretizava em absolutamente nada na minha relação com ele. Justamente por não ter visto que ao meu redor os nossos corações apáticos que absorviam todo o ar e se fazia impossível revigorar-se.

Inquietamente transtornada, tive o cheiro da lembrança, afim de me espiar por dentro e perceber o verdadeiro episódio que se passava comigo e entre nós dois.


Depois de jantar com Vanessa, Rebeca não hesitou em perguntar sobre a sua vida e trabalho. Ficaram conversando horas até chegar o momento de partirem para o encontro. Rebeca estava na cozinha quando ouviu a companhia tocar. Quase ao mesmo tempo, Vanessa perguntou: 

— Tá esperando alguém? 

— Não... Quem será que é? 

Meio sem jeito, foi até a porta intrigada. 

— Beto? 

— Oi... Bem achei melhor vir aqui, dar uma passadinha antes de irmos. Gostou da surpresa? 

Mas como todo mundo de repente sabe o endereço da casa das pessoas? Rebeca estava surpresa e ao mesmo tempo incomodada, será que é a única do bairro que ainda não se mudou para outra casa? Todos um dia tiveram que morar em outros lugares por causa de novo empregos, independência, etc. Mas Roberta preferiu ficar em seu velho bairro assim mesmo. Vivia com a mãe e era filha única. Depois que ela morreu de câncer no pulmão, preferiu não vender a casa, pois era algo de felizes memórias.

Olhou para o Beto, com os olhos cheios de emoção e o abraçou: 

— Que saudade que eu estava de você, quanto tempo! 

Sua felicidade era de se ver de longe. Tanto que o chamou para se sentar na sala com Vanessa que parecia estar surpresa e receptiva de ter tido mais um encontro com ele. Colocaram o papo em dia como nunca tinham feito antes. Se esqueceram do encontro, beberam e riram de velhas histórias. 

O penteado de Beto, seu estilo moderno e diferente com seu humor e charme eram irresistíveis. Estava mudado, não apenas pela sua aparência. Reparou uma aliança em seu dedo. Talvez comprometido? Ele estava mais que um homem sério e responsável ao seu olhar, estava mesmo é atraente.


Estava nublado e fresco. Ventos que passavam pela rua atingiam a poeira e levava as folhas caídas na calçada para longe. Roberta esperava o ônibus para voltar pra casa. Não queria se atrasar hoje, ia se encontrar com amigos de infância à noite. Pessoas iam e desciam do ponto durante sua espera. Pensou como estaria Beto e mordeu os lábios com uma certa ansiedade. Seu cabelo estava todo bagunçado por causa do vento, sentou-se no banco ao lado de um homem velho.

Ao chegar na rua de sua casa ao descer do ônibus viu uma mulher loira de cabelos lisos conversando com algum vizinho que já vira na rua algumas vezes. Parecia estar pedindo algum tipo de informação. Foi descendo e ouviu alguém:

— Oi! Ei amiga aqui! - gritou a mulher.

— Oi querida!- disse ao reconhecer Vanessa. - Tudo bem? Desculpe, eu ia te mandar meu endereço por e-mail, mas... poxa são tantas coisas, acabei me esquecendo. Mas que bom você por aqui.
— Estou ótima Rê! Consegui seu endereço com o Beto. Lembra-se dele? Aquele que usava óculos enormes. Meu Deus, se você visse ele.. Tá muito lindo, mudou tanto!

— Ah sim! Como eu iria esquecer? - disse sorrindo. - Lembro-me dele quando a gente ia no sebo trocar livros e ele sempre nos mostrava gibis engraçados.- disse rindo ainda mais. Ele sempre a fazia sorrir.

Percebeu que estava diferente logo mudou de assunto para não transparecer:

— Venha em casa, estou chegando agora do meu curso de inglês, se você quiser comer alguma coisa...

— Não, agora não, me desculpe, só vim aqui mesmo para matar a saudade. Estou na cidade a trabalho. Tenho viajado bastante.

— Ah, isso seria uma pena. Por que não fica ate amanha? Vai ter um reencontro dos formandos do ensino médio. Todo mundo vai estar lá.

— Eu soube, eu não ia, já que e só uma noite, parece divertido... então vamos - disse abrindo um sorriso de felicidade.

Não demoraria muito, logo todos estariam reunidos novamente.


Não queria ficar ocioso em casa no sábado e ficar pensando no jantar que viria ser à noite. No seu quarto, tinha um retrato antigo do seu pai que nunca fora desprezado. Sempre ao ir dormir o via. Deitava em sua cama e conversava longas horas com ele.

Já eram oito horas da noite. Perto da hora de irem para o jantar, sua mãe apareceu. Estava linda. De vestido preto, parecia estar bem mais feliz do que de costume.

O restaurante não era elegante. Depois de confirmar a reserva, os dois foram guiados para a mesa de reserva pelo garçom. Um homem os esperava.

Espantado com a surpresa ele o viu:

- Pai?

Sem o que responder, seu pai levantou os braços sorrindo. Feliz, não esperava que seu filho o olhasse tão friamente. Foi tentar dar enfim um abraço nele. Repulsivo, com a atitude do pai, colocou a mão no bolso. Momentos depois, sua mãe foi a primeira a gritar. Sem dizer nada, com a mão cheia de sangue, saiu correndo e não se importou em deixá-los para trás.



Brevemente quase impedido pelo segurança, olhou por alguns segundos para seu pai. De longe, dava pra ver a faca em sua barriga espetada cheia de sangue.

Não pensava em mais nada. Queria fugir e sumir. Nessa hora seu pai estaria no hospital com sua mãe. Foi pra casa e logo no seu quarto todo bagunçado, pegou todas as suas roupas e pertences e colocou dentro de uma mochila. Sua pressa o fez deixar cair uma caixa dentro do guarda-roupa. Dentro tinha umas cartas que nunca foram abertas e enviadas. Lembrou que eram cartas escritas de despedida para seu pai há muitos anos. Começou a lê-las:

17 de dezembro

“Olá papai!
Neste ano pedi ao Papai Noel que dessa vez me desse um presente diferente. Pedi a ele que me trouxesse você. Sei que ele ao passar pelo mundo a dar presentes às crianças, não se esqueceria de trazer você pra mim. Talvez ele tenha a sorte de te encontrar em algum lugar em que eu não pude achar.
Estou com muitas saudades!”

18 de dezembro

 “Papai, não acredito que apesar de tudo, você pôde morrer. Mamãe disse que seríamos uma família feliz. Mas, apesar de você não estar aqui, está no céu todas as noites parar mim. Papai, que estrela é você?”

Frustrado, pegou a caixa de madeira e colocou todas as cartas dentro. Jogou tudo na lata de lixo e as queimou. Saiu de casa com o dinheiro que tinha.

Na rodoviária, olhares incertos o fitavam. Subiu no ônibus com a passagem comprada e ninguém mais soube dele. Pela janela, dentro do ônibus indo a lugar nenhum, lembrava-se do seu pai quando era criança, morto como acreditava.

Sem lágrimas no rosto ando vagarosamente sem dar nenhum suspiro. Ainda sinto meu corpo e coração gelados, e por alguma razão a pulsação das minhas veias. Minhas lágrimas por mais que possam ser maior que a minha força não saem de meus olhos tão petrificados.

Nenhuma raiva ou tristeza chegam a mim nesse meu estado angustiante, onde também não sinto novos sabores, cheiros ou novos ares. Talvez a solução fosse me cortar e acabar com tudo isso, mas isso só me causaria mais dor. É tudo dor, não quero mais senti-la! Não suporto mais. Queria eu transformar toda essa frieza dentro de mim em apenas amor. E quando a dor persistir em vir novamente, que se torne amor, amor e mais amor.


Na imagem de um mulherão, nada se compara aos seus defeitos e particularidades. Essa era uma visão um pouco embaçada de João, que não lhe impedia de enxergar o que queria, e esse era o perigo: as mulheres vistas em sua vida.

Poderia se dizer que todos temos um olhar para cada tipo de coisa, que o olhar é o espelho da alma. Para seu João, seus olhos não eram apenas o espelho de sua alma, eram a passagem de entrada pra sua paixão, nitidamente por Vivi. Com eles tudo que se via era considerado perfeito, intenso e inacabável. Podia-se dizer que era um sonho, uma imagem em sua mente que não mudava de forma negativa.

Todo dia às quatro da tarde ou no seu horário de almoço. Sempre saia do escritório para tomar um cafezinho na recepção, e lá estava ela, atendendo os clientes ou digitando no computador. De lábios rosados e de cabelos longos e loiros e ainda com sua fala doce, a deixava ainda mais irresistível. Incrivelmente perfeita, isso o fazia desencadear desejos só por olha-la.

A única coisa que o afastava era a aliança em seu dedo, casada, parecia bem feliz. João sempre se lembrava de fidelidade, ele era fiel, justamente por também ser casado. Mas, bem, que mulher era aquela! Parecia um fugitivo rebelde, que fugira de casa para encontra-la e ter conversas na hora do almoço com ela. Sempre pensava em uma razão para poder passar na recepção, lamentava que o banheiro não fosse perto da sala do cafezinho.

Certo dia a viu chorando. Sua maquiagem estava escorrida. Observando-a em frente ao espelho do banheiro feminino, a via lavando seu rosto com água a soluços angustiantes. João decidiu não ver mais isso. Estava se sentindo como um intruso na vida dela só por pensar em falar com ela se haveria algum problema pessoal ou qualquer outro. Mais tarde, passou pela recepção só para falar um “olá” . Enfim se convencer que nenhuma conversa futura sobre algo pessoal pudesse afetar seu casamento. Pois é só uma conversa, como tantas outras.

Já era noite e João estava saindo do escritório. No portão de saída do estacionamento a viu sem carro andando para o ponto de ônibus. Decidiu então pará-la, já que estava de carro e a oferecer uma carona.

Na viagem tudo ocorreu bem, como o esperado. Não houve choro, abraço reconfortante e nem muitas horas de conversas que poderiam dar em diversão e vinho. Ele esperava algo a mais, mas não podia. Foi apenas uma carona. Sempre a percebia mais sedutora, charmosa e diferente, isso o deixava louco.

Ao contrário de Vivi, sua esposa Daniela era muito ciumenta, porém uma mulher alegre e contagiante. Não era fácil quando João ficava até tarde no trabalho fazendo hora extra quando ela ligava a cada cinco minutos, se ele atendesse com certeza ela iria ligar de novo. Então, de tão estressado deixava o celular desligado. Sempre quando chegava em casa, ela fazia perguntas como: “Tá me traindo com outra mulher não é?”, “Por que não atendeu minhas ligações?”, “Muito ocupado com outra?”. Até ele explicar tudo de novo, não descansava, levando-o a ir direto para a cama e dormir sem ao menos dizer boa noite.

Não que ele não amasse sua mulher, apenas a via de outro jeito. Não era e não buscava isso nela. Sua beleza o atraia, mas não o convencia que deveria conquista-la todos os dias. Às vezes não se incomodava em pensar em outras mulheres em sua cama. Em pensar em Vivi, que levava-o a loucura.

Cansado pelo dia anterior, sabia o dia que ia ter. Só de pensar em muitas horas no escritório e ligações de sua mulher o deixava estressado. De ida para sua sala encontrou Vivi saindo da sala do chefe. Curiosamente ela passou por ele de cabeça baixa sem dizer nada. No dia seguinte não a viu mais. Perguntou para alguns funcionários de lá o que tinha ocorrido com ela e ninguém, infelizmente sabia responder. Só entendeu quando viu outra pessoa no lugar dela na recepção. Não há outra resposta, ela foi embora e o deixou. Sabia que aquela partida era perigosa para ele. Estava dividido, não iria procurá-la. Não havia como, era casado.

No dia seguinte pensou muito sobre várias coisas, inquieto e impaciente foi dar uma volta pela rua, queria se desligar do trabalho e de casa. Foi então que percebeu que estava cego tão cego que não poderia ver o que estava dentro de si. Poderia agora ver, Vivi foi embora, mas mesmo se estivesse ainda em sua vida certas coisas não poderiam deixar de acontecer.

Era claro que João iria pedir divórcio, iria encontrar sua esposa na lanchonete depois. Mas, ao chegar lá, parecia que ela estava tão confortável, estava falando com outro homem que parecia um velho amigo. O homem a via com tanta felicidade, tinha afeição que parecia que a tinha só para ela. Naquela imagem, percebeu uma vontade de não perde-la. Entendeu esse ciúme que ela sentia por ele. No meio a um abraço dos dois, sentiu uma vontade de conquista-la, de gritar para todos que ela é dele, sem ao menos ter certeza nessa hora. Não era apenas possessão, era vontade. Atração por quem não tinha há tempos. Ele que a queria sentir em seus braços novamente como antes. Sentir seu corpo e respiração ofegante no meio da excitação, beijar sua boca doce e perfeita como se beijasse uma rosa tão delicada e ao mesmo tempo tão perigosa. Mesmo que seu coração sangrasse ao mesmo tempo com a dor que a causou na hora por ela, seu amor avivaria tudo como tinta vermelha jogada num quadro. Não importava o sofrimento, contanto que viesse o seu amor para cura-lo. A queria como jamais quis. E Vivi? Não valia a pena, se pensasse o quão isso duraria, não valia mais do que o tempo de uma paixão de amantes condenados ao vazio preenchido de tempo limitado.

Voltou pra casa, a esperava em seu perfeito estado de consciência, não estava alterado, apenas paciente. Quando ela chegou, meio confusa, a lágrimas, sentou-se ao lado dele e perguntou:

— Acabou?

— Posso te dizer isso mostrando uma coisa?

Então ele a pegou pela mão e conduziu até a cozinha, se ajoelhou e pediu:

— Quer se casar comigo de novo?

Sem dar tempo para ela dizer alguma coisa, continuou:

— Mas, antes que diga algo, vem jantar comigo. Vem estar comigo de novo. Não consigo ver mais nada do que você todos os dias ao meu lado.

Sem hesitar ela disse:
— A piranha te largou não é? Porque só disse isso agora? Vou pra casa da minha mãe.

E saiu, como se não valesse aquela cena toda. Como que se o deixasse faria ele a seguir e aclamar por sua volta, e então se convencer que tudo isso era verdade. Porém, ele soube: se ela o amava com certeza voltaria. Se ele a esperar ou voltar para ele, sabe que nunca mais vai querer larga-la de novo.

“Não se deixe contaminar, não se deixe contaminar”, dizia para si mesmo, como se o mundo em que vivesse fosse perfeito e indestrutível aos olhos de quem o vê. Suas gotas de suor pela testa de repente pingam no chão e fazem um grande terremoto acontecer. Sua cabeça de tão pesada não cai, ao contrário, ela flutua como se fosse um balão que vai subindo cada vez mais e indo de um lugar para outro de acordo com a ordem do vento. Se morasse em uma bolha e um estranho entrasse nela, com certeza, o estranho iria ser igual a ele e iria mudar de visão. Ia enxergar o mundo de outra forma como ele. As coisas não iam ser só histórias de livros que dão asas a imaginação, ia ser um filme próprio vivido em tempo real sem roteiros.

– Não se deixe iludir – disse o estranho o acordando.

– Hã? Está falando comigo?

– Sim, meu amigo.

– Devo ter me esquecido da hora ouvindo música e acabei dormindo. - murmurou pra si mesmo. Levantando meio perdido, perguntou:

– O senhor sabe se passou um ônibus que vai pro terminal central?

– Acho que passou há uns 10 minutos atrás.

– Hum.

Estava ainda meio confuso com o que estranho tinha falado na primeira vez com ele quando tinha acordado e não achava uma boa ideia perguntar sobre isso. Sua mãe o ensinou a nunca falar com estranhos. Sua cabeça doía. Lembrou que não era mais uma criança que tem que obedecer a ordem dos pais porque não tem noção do perigo do mundo em sua volta. Então, com um sincero sorriso disse:

– Sabia que o senhor parece muito com meu pai?

– Olha garoto, se estiver procurando pele seu pai, com certeza não sou ele. Nunca tive filhos.

Meio a sensação de pouca simpatia do estranho, um silêncio mútuo invadiu o espaço, não havia muitas pessoas passando pela rua, nem carros buzinando, ou fazendo algum tipo de barulho que se costuma ouvir no trânsito. Lembrava-se do pai, sentia saudades, ao mesmo tempo uma raiva por não falar mais com ele. Isso depois de dois anos da separação de sua mãe com ele. Não tinha rancor, demonstrava isso ao falar dele com a mãe sempre que tinha um pesadelo no meio da noite.

Chegando em casa foi logo para o quarto, ficou horas na cama ouvindo músicas com seu celular. Era tão bom, podia se desconectar das sensações de tédio e raiva. As batidas pesada da música invadiam sua mente. Eram toda a noite a destruição que poderia ser feita no mundo a fora, mas nunca foram. Jogava seus pensamentos com violência para baixo e os chutava tão forte que poderia até matá-los. Essa era a vantagem, nada que fosse real iria alegrá-lo como se faz com pensamentos e ilusões que tem sobre a realidade mal entendida.

Já era tarde e sua mãe queria conversar.

– Filho? Num vem jantar?

– Num tô com fome mãe, vai embora.- disse aumentando o volume da música.

Meio preocupada entrou no quarto sem pensar:

– Filho... Preciso que me ouça, tenho uma coisa importante pra te dizer.

– Tá. - disse fingindo ter a escutado.

– Há um tempo você sabe, tenho conhecido alguém, e quero que o conheça, sei que vai gostar dele, ele virá aqui amanhã para jantar.

Percebeu que ela num ia sair dali, afirmou com um sinal positivo como se entendesse a mensagem. Ela então saiu feliz, como se tivesse passado por uma tempestade sem nenhum caos.
Primeiro um pé, depois o outro calmamente. Sente o vento e não se incomoda com o barulho dos carros lá em baixo.

As pessoas não costumam olhar muito para o céu. Lá em cima, ela se sente bem. Mas não se importa, o que lhe interessa mesmo é andar um pé atrás do outro na beirada do último andar do seu prédio.

Como se estivesse andando em uma corda bamba, mas sem rede para amortecer sua queda.

Sem ligações de entes queridos, sem mensagens no celular, sem e-mails engraçados e palavras aconchegantes.

"Eu sei que é difícil, mas... desculpe. Exis... existe outra pessoa...". Seus olhos se fecharam, não queria lembrar, queria que isso fosse de outra forma e com outras palavras. Acordada, se virou de lado na cama e cobriu-se inteiramente com o cobertor com olhos cheios de lágrimas e adormeceu.

Há três dias que não via a si mesma. Seu corpo era incontrolável aos seus passos que andavam cada vez mais rápidos sem se preocupar com as poças d’águas pelo caminho. Em cima do seu prédio, não achava que fazia sentido em se preocupar com a altura, muito menos com a queda. Sentia-se insegura em relação como isso tudo ia acabar. Não estava ali para pular, só estava pensando no perigo de todas as coisas poderiam lhe proporcionar. Até onde vamos por alguém? Se ele quisesse se livrar dela não seria a primeira vez que ela passaria dos limites do amor e passaria a fronteira entre a vida e a solitária morte.

No equilíbrio de seus pés e braços estendidos, ele chega e a surpreende dizendo:

— Sei o que está querendo fazer, mas não faça.

— Não é isso o que você está pensando. Não posso mais caminhar?

— Seja pra onde for não vá.

— Não me diga isso, se você já me deixou, suas palavras são inúteis. Sei que veio aqui para pegar suas coisas e ir embora.

— É isso pra você? Viver num meio fio e se dominar pelo vento que pode mudar seu equilíbrio a qualquer hora?

— Vá embora... Leve suas coisas e me deixe em paz.

— Tá. – disse se aproximando. – Mas você vem comigo. - puxou-a rapidamente antes de qualquer reação e caíram no chão de concreto.

— Você não devia ter feito isso! – disse zangada.

— Eu sei, eu sei. Só que não é só você que tem o direito de se equilibrar aqui em cima.

— O que você quer de mim? Já não ter a minha fraqueza já não é o suficiente?

— Não quero sua fraqueza, quero você bem, quero que tudo termine bem... Não se sinta mal por nós.

— Não me diga o que sentir! – disse gritando com lágrimas nos olhos. – Você não entende...

Ficaram ali parados, ela não queria sair dali, não queria caminhar, não queria falar, apenas observar as coisas como elas estão e finalmente sentir que tudo aquilo era loucura. Não se importava mais se ele estava ali, se iria embora. Compaixão: é isso que ele sentiu por ela naquele momento.

Sirenes e uma gritaria lá embaixo do prédio de repente tiraram a sua atenção, quando foi ver o que tinha acontecido lá de cima, um vento forte a desequilibrou e ela então se deixou cair como uma pena. Seu corpo e mente se afundaram e se desprendeu de todas as correntes de aço.
O som fazia vibrar tudo e tornava o mundo frágil, como vidro, podia estilhaçar-se a qualquer hora. Não era um terremoto externo, era uma erupção de sons que surgia a cada batida da pulsação de seu coração.

Seus olhos molhados, mas sem lágrimas para cair em seu rosto faz a purificação de sua alma ser inesquecível e inédita ao sentir seu amor. Assim, era frágil como uma rosa sem espinhos protegida pela terra que a vitalizava.

Era quase de madrugada. Devia ser mais de meia noite. Helena não sabia ao certo. Estava cansada como na noite anterior, quando não conseguia dormir mais. Deitada na cama em seu quarto, sozinha, se lembrava do sonho que teve com seu ex-marido. Tão vívidos e diferentes de sua realidade.

Havia anos que não se apaixonava. Vagando pela casa sem sono, era uma alma sem alma. Não gostava de sair. Estava certa que em qualquer lugar que fosse não sentiria nenhuma vigor. Todos os dias, Helena ainda se lembrava de seu recente e falecido amor, foi casada ha muitos anos com ele. Era um homem educado, generoso e de bom coração.

Não era o fim do mundo se a chegada da morte não alcançava à todos.. Além de trevas, ainda existia a luz. Uma imensa luz que alcançava uma imensa plenitude, com almas brancas e puras. Do calabouço, olhava a imensidão, não havia nada limitando sua passagem para o que via, o que exatamente queria. Como uma luz no fim do túnel, havia algo se aproximando. Diferente de outras almas, aquela em que mais se importava e sonhava toda noite vinha a seu caminho. Viria busca-la, seu eterno amor finalmente a ajudaria a sair da sua prisão.

Ao dar o primeiro passo para a liberdade, um buraco se formou, e , Helena caiu. As luzes, o paraíso que finalmente encontrou estavam ficando cada vez mais distantes e menores na escuridão que ia tomando sua visão. Levantou assustada com o coração ainda fraco.

Agora, acordada, não queria viver mias numa realidade que só a fazia sofrer. Sonhar com seu ex-marido foi um sinal. “Um sinal, uma chamada!” - repetia em um tom alegre – pois finalmente sabia como encontra-lo.

Já fazia dias que queria sair dessa prisão. Sua busca de liberdade finalmente acabava ali. Os sonhos com eu ex-marido falecido não eram suficientes. Eram passageiros. A morte nunca foi tão tentadora em toda a sua vida. Era o único caminho de passagem de volta pra ficar com ele. Sem nenhum tempo, eternamente livre, sem alma presa ao corpo.


Pareciam luzes brilhantes que davam um toque especial à noite, como estrelas no céu. Em meio a tantos carros que passavam ao lado da janela do banco do passageiro, o menino contia a observar com seus olhos grandes os outdoors que quase alcançavam as nuvens. Não eram fáceis de serem ignorados. Um deles tinham muitas propagandas. Especialmente  a propaganda de um carrinho de controle remoto que podia acender luzinhas. Como queria aquele brinquedo, não tinha dúvida que se pedisse ao seu pai não iria se arrepender. Então viu no pequeno clipe o desejo de conseguir aquilo que não tinha.

Ao ir para casa da avó como pai de carro, prometeu a si mesmo que se não tivesse aquele carrinho ia fazer de tudo para conseguir. Não era o tipo de carrinho que tinha, apesar de chorar muito pelos anteriores. Fazer qualquer promessa que o pai pedisse estava de bom tamanho, mesmo que não ganhasse outro no natal, era aquele, e outro não o substituiria, pois seu maior desejo de tê-lo supriria todas as suas outras necessidades de ter outro.

O pai como bom pai e esposo, que deixa a esposa com o cartão de crédito e os melhores brinquedos na mão do filho, mesmo não podendo pagar todas as contas, se enforcando de tantos números negativos que aparecem para ele, ainda não tem um coração duro. Muito pelo contrário, como bom pai e homem da família não deixa escapar a felicidade de vê-los com algo que sempre os deixam felizes. O pai aprendeu assim, de família pobre, esforçou-se muito para conseguir o que tem hoje. Mesmo sendo feliz quando não tinha muito que comer, do que brincar, tinha a imaginação de que as pedras do chão de sua casa fossem ouro, que a vareta de uma árvore fosse de repente uma varinha mágica que transformava vários caixotes em vários baús de joias, brinquedos e principalmente comida, daquelas que o estomago agradeceria até quando estivesse vazio. Mas sua ambição não era ter grandes riquezas ou muitas joias que pudesse guardar, mas tê-los em mão para que comprasse qualquer coisa que o faria feliz.

Assim pensava, pois enquanto comprava, comprava e comprava deixava algo para trás. Estava se fartando de coisas superficiais e deixando a família também assim. “Mas como são felizes”, pensava em voz alta. Adquiriu a felicidade com dinheiro. Como um produto com validade, sorriso no rosto só tinha mesmo o palhaço da tv. A falência veio a tona e o desespero também. Como iria comprar o carrinho que o filho tanto lhe pedia? Como iria satisfazer sua esposa com belas roupas e sapatos comprados pelo cartão de crédito? 

Como iria pagar tudo aquilo, já que não tinha mais emprego?

Deitou-se no chão com todas as contas que deveriam ser pagas e arqueou sua boca para baixo. Seu filho deitou com ele e chamou a mãe. Lá estavam sem nada no bolso, sem bens que poderiam fazê-los felizes, mas não valiam mais nada Tudo já estava no chão. Nada importava, a miséria o deixava como uma criança pobre como antigamente. Agora sabia o porquê de o seu pai ter sido pobre: a sua única felicidade é ter tido sua família perto de si sem precisar de mais nada para ser feliz.