Depois de jantar com Vanessa, Rebeca não hesitou em perguntar sobre a sua vida e trabalho. Ficaram conversando horas até chegar o momento de partirem para o encontro. Rebeca estava na cozinha quando ouviu a companhia tocar. Quase ao mesmo tempo, Vanessa perguntou: 

— Tá esperando alguém? 

— Não... Quem será que é? 

Meio sem jeito, foi até a porta intrigada. 

— Beto? 

— Oi... Bem achei melhor vir aqui, dar uma passadinha antes de irmos. Gostou da surpresa? 

Mas como todo mundo de repente sabe o endereço da casa das pessoas? Rebeca estava surpresa e ao mesmo tempo incomodada, será que é a única do bairro que ainda não se mudou para outra casa? Todos um dia tiveram que morar em outros lugares por causa de novo empregos, independência, etc. Mas Roberta preferiu ficar em seu velho bairro assim mesmo. Vivia com a mãe e era filha única. Depois que ela morreu de câncer no pulmão, preferiu não vender a casa, pois era algo de felizes memórias.

Olhou para o Beto, com os olhos cheios de emoção e o abraçou: 

— Que saudade que eu estava de você, quanto tempo! 

Sua felicidade era de se ver de longe. Tanto que o chamou para se sentar na sala com Vanessa que parecia estar surpresa e receptiva de ter tido mais um encontro com ele. Colocaram o papo em dia como nunca tinham feito antes. Se esqueceram do encontro, beberam e riram de velhas histórias. 

O penteado de Beto, seu estilo moderno e diferente com seu humor e charme eram irresistíveis. Estava mudado, não apenas pela sua aparência. Reparou uma aliança em seu dedo. Talvez comprometido? Ele estava mais que um homem sério e responsável ao seu olhar, estava mesmo é atraente.


Estava nublado e fresco. Ventos que passavam pela rua atingiam a poeira e levava as folhas caídas na calçada para longe. Roberta esperava o ônibus para voltar pra casa. Não queria se atrasar hoje, ia se encontrar com amigos de infância à noite. Pessoas iam e desciam do ponto durante sua espera. Pensou como estaria Beto e mordeu os lábios com uma certa ansiedade. Seu cabelo estava todo bagunçado por causa do vento, sentou-se no banco ao lado de um homem velho.

Ao chegar na rua de sua casa ao descer do ônibus viu uma mulher loira de cabelos lisos conversando com algum vizinho que já vira na rua algumas vezes. Parecia estar pedindo algum tipo de informação. Foi descendo e ouviu alguém:

— Oi! Ei amiga aqui! - gritou a mulher.

— Oi querida!- disse ao reconhecer Vanessa. - Tudo bem? Desculpe, eu ia te mandar meu endereço por e-mail, mas... poxa são tantas coisas, acabei me esquecendo. Mas que bom você por aqui.
— Estou ótima Rê! Consegui seu endereço com o Beto. Lembra-se dele? Aquele que usava óculos enormes. Meu Deus, se você visse ele.. Tá muito lindo, mudou tanto!

— Ah sim! Como eu iria esquecer? - disse sorrindo. - Lembro-me dele quando a gente ia no sebo trocar livros e ele sempre nos mostrava gibis engraçados.- disse rindo ainda mais. Ele sempre a fazia sorrir.

Percebeu que estava diferente logo mudou de assunto para não transparecer:

— Venha em casa, estou chegando agora do meu curso de inglês, se você quiser comer alguma coisa...

— Não, agora não, me desculpe, só vim aqui mesmo para matar a saudade. Estou na cidade a trabalho. Tenho viajado bastante.

— Ah, isso seria uma pena. Por que não fica ate amanha? Vai ter um reencontro dos formandos do ensino médio. Todo mundo vai estar lá.

— Eu soube, eu não ia, já que e só uma noite, parece divertido... então vamos - disse abrindo um sorriso de felicidade.

Não demoraria muito, logo todos estariam reunidos novamente.



Acordou de um jeito que parecia que estava com o dobro de seu peso. Sua cabeça parecia mais pesada. Estava frio em seu quarto, sentiu uma necessidade de calor que não viria de um simples cobertor. Era ela que estava faltando ao seu lado num dia frio de domingo. Seu cheiro, seu sorriso mais sincero, seu cabelo e sua voz doce e suave em seu ouvido. Em dia como esse, que a saudade batia-lhe a porta, a procurava em todas as pessoas e lugares.

Já eram oito e meia, ao lado do relógio havia um bombom. Lembrou-se de sua infância. Era a época mais feliz de sua vida. Não tinha medo de ser feliz. Seu mundo era outro. Dragões, castelos, monstros, heróis e brincadeiras divertidas. Comer doces era o que mais lhe fazia feliz. Pegava dois bombons do pote em cima da mesa que sua mãe deixava e guardava na sua lancheira até a hora de chegar à escola. Quando a via sempre lhe entregava um. Quando não tinha dois para partilhar, entregava o seu pra ela. Era o momento que mais gostava de ter. Foi pra sala e sentou-se no sofá e sozinho começou a chorar.
Fiquei frente a frente com a temida prova do ENEM que nunca tinha conhecido. Confesso que cheguei ao primeiro dia confiante. Não quis me preocupar com o peso que a prova ao fazê-la. Pois sei da sua importância, e não queria me desesperar e perder a concentração. 

Ao contrário do que eu esperava de mim desde o começo do ano, não me concentrei todos os dias em ter pelo menos uma hora reservada para estudar. Alguns dias até que eu fazia simulado, revezava algumas equações de química, física e outras. Estudava nas aulas de português, biologia, e acreditava que não teria muita dificuldade. 

A prova, ao ser indiferente não faria de minhas súplicas um milagre para resolver as questões de matemática. Como cada um naquela sala, estive exausta e cansada ao passar das horas. Relataria aqui um estado de sobrevivência daqueles filmes que todo mundo sabe o quão é difícil uma pessoa sobreviver sozinha se não estiver preparada. Mas, esse não foi o caso. Seria um exagero, porque qualquer um teria condições de ir pro um lugar bem melhor se fosse sonhar em cima da folha de questões, ou apenas sair depois de duas horas. 

Depois do segundo dia de prova, nunca foi tão bom ver à tarde quase virando noite. Depois e horas numa sala em um fim de semana inteiro me senti mais disposta em aproveitar o fim tarde para fazer nada. 

Sempre tem aquelas notícias no jornal de pessoas que perderam ou teve algum caso inusitado na prova do ENEM: Um a estudante que teve seu filho num banheiro antes da prova; uma pessoa desatenta que se esqueceu de preencher o cartão de resposta; alguém vestido de Mário, etc. 

Em todas as alternativas, percebo que vão sempre te levar a um lugar, não importa qual seja se importa ou não, de qualquer jeito. 


Foi quando que não houve tempo para nada acontecer. Não podia dizer que eu estava em um lugar e que eu estava num tempo, porque eles não existiam naquele momento. É estranho, eu sei. Uma ideia de que tudo parece abstrato. Talvez fosse meu inconsciente.

O tempo é corrido, as pessoas não param para ver as coisas. Tudo ocorre sem tempo para o tempo. Pensar ficou difícil. Em uma calçada lotada de pedestres, cada um segue seu caminho. O ladrão que se disfarçava por causa das câmeras de segurança, os cachorros saiam para qualquer lugar ao serem expulsos das lojas e os mendigos pediam esmolas para poderem pagar uma passagem de ônibus para um dia voltarem para suas casas. Múltiplas cenas que aconteciam sem ao menos serem contadas e pensadas. Vistas com ansiedade e medo.

Chego em casa à tarde depois de um dia tenso e me lembro que tem uma garrafa de uísque na geladeira. Servido só nas ocasiões especiais e algumas vezes aproveitado em situações que não merecem apenas um copo d’agua. Tento ignorá-lo indo logo pro quarto, pego minha caneta e começo rabiscar uma folha branca.

Alguns minutos depois vejo o que fiz no papel, sem razão alguma não enxergo nenhuma beleza e sentido no meu desenho sem formas. Volto pra cozinha e tomo um copo de água gelado. Foi aí que pensei, nesse momento num preciso só de um copo d’agua. Abro a geladeira e pego a garrafa de uísque, me sirvo e comemoro meu dia com o tempo que ainda tenho.

 Lá estava Jeová. Eleito com mais de 60% dos votos em sua sala sentado em uma bela cadeira. Não era muito velho e só tinha cinco anos de política. Não foi só pelas promessas que o fez ganhar a eleição de sua cidade. O povo o conhecia. Ele sempre passava na rua e dizia um oi com um sorriso no rosto, sem nojo dos mais pobres. Simpático com todos, simples, humilde e honesto quanto nenhum outro político.

Antes se tornar um “engravatado” era açougueiro. Veio de uma família pobre. Nem por isso é ganancioso a ponto de ser um trapaceiro, corrupto e normal. Decepcionantemente estranho entre os politiqueiros. Bem que politicagem não difere muito de política. Hoje politiquice é política. Uma palavra que não precisa de ordem gramatical e nem de sinônimo pra fazer sentido. Afinal, quem precisa dela pra definir um candidato no poder? O Tiririca acho que não.

Nenhum político é culpado, como ladrão também diz que não é. Sem generalizar, vários votos não define a toda a opinião do povo. Só porque há esse tipo de político, não significa que era pra estar no poder. Cada cidade tem seus policiais. Os eleitores são os juízes, que muitas vezes cansados não veem o caso inteiro, e acabam logo com o caso sem ao menos terem provas suficientes para a decisão final.

Como eu estava dizendo, Jeová, que apesar não ser politiqueiro, era estranho. Foi estranhamente vencedor nas eleições.

Com o tempo, novas eleições foram feitas e novos “Jeovás” foram surgindo. Foi aí que o povo soube votar melhor, de juízes se tornaram analíticos de pós-graduação. Como os candidatos eram todos confiáveis, apresentavam novas promessas, sem nenhuma lei de ficha suja para impedi-los. O mundo acabou se tornando feliz pra sempre. E por aqui que acabo meu conto de fadas, onde nada é real até que todos enfim poderem acordar.

Não queria ficar ocioso em casa no sábado e ficar pensando no jantar que viria ser à noite. No seu quarto, tinha um retrato antigo do seu pai que nunca fora desprezado. Sempre ao ir dormir o via. Deitava em sua cama e conversava longas horas com ele.

Já eram oito horas da noite. Perto da hora de irem para o jantar, sua mãe apareceu. Estava linda. De vestido preto, parecia estar bem mais feliz do que de costume.

O restaurante não era elegante. Depois de confirmar a reserva, os dois foram guiados para a mesa de reserva pelo garçom. Um homem os esperava.

Espantado com a surpresa ele o viu:

- Pai?

Sem o que responder, seu pai levantou os braços sorrindo. Feliz, não esperava que seu filho o olhasse tão friamente. Foi tentar dar enfim um abraço nele. Repulsivo, com a atitude do pai, colocou a mão no bolso. Momentos depois, sua mãe foi a primeira a gritar. Sem dizer nada, com a mão cheia de sangue, saiu correndo e não se importou em deixá-los para trás.



Brevemente quase impedido pelo segurança, olhou por alguns segundos para seu pai. De longe, dava pra ver a faca em sua barriga espetada cheia de sangue.

Não pensava em mais nada. Queria fugir e sumir. Nessa hora seu pai estaria no hospital com sua mãe. Foi pra casa e logo no seu quarto todo bagunçado, pegou todas as suas roupas e pertences e colocou dentro de uma mochila. Sua pressa o fez deixar cair uma caixa dentro do guarda-roupa. Dentro tinha umas cartas que nunca foram abertas e enviadas. Lembrou que eram cartas escritas de despedida para seu pai há muitos anos. Começou a lê-las:

17 de dezembro

“Olá papai!
Neste ano pedi ao Papai Noel que dessa vez me desse um presente diferente. Pedi a ele que me trouxesse você. Sei que ele ao passar pelo mundo a dar presentes às crianças, não se esqueceria de trazer você pra mim. Talvez ele tenha a sorte de te encontrar em algum lugar em que eu não pude achar.
Estou com muitas saudades!”

18 de dezembro

 “Papai, não acredito que apesar de tudo, você pôde morrer. Mamãe disse que seríamos uma família feliz. Mas, apesar de você não estar aqui, está no céu todas as noites parar mim. Papai, que estrela é você?”

Frustrado, pegou a caixa de madeira e colocou todas as cartas dentro. Jogou tudo na lata de lixo e as queimou. Saiu de casa com o dinheiro que tinha.

Na rodoviária, olhares incertos o fitavam. Subiu no ônibus com a passagem comprada e ninguém mais soube dele. Pela janela, dentro do ônibus indo a lugar nenhum, lembrava-se do seu pai quando era criança, morto como acreditava.

Sem lágrimas no rosto ando vagarosamente sem dar nenhum suspiro. Ainda sinto meu corpo e coração gelados, e por alguma razão a pulsação das minhas veias. Minhas lágrimas por mais que possam ser maior que a minha força não saem de meus olhos tão petrificados.

Nenhuma raiva ou tristeza chegam a mim nesse meu estado angustiante, onde também não sinto novos sabores, cheiros ou novos ares. Talvez a solução fosse me cortar e acabar com tudo isso, mas isso só me causaria mais dor. É tudo dor, não quero mais senti-la! Não suporto mais. Queria eu transformar toda essa frieza dentro de mim em apenas amor. E quando a dor persistir em vir novamente, que se torne amor, amor e mais amor.


Na imagem de um mulherão, nada se compara aos seus defeitos e particularidades. Essa era uma visão um pouco embaçada de João, que não lhe impedia de enxergar o que queria, e esse era o perigo: as mulheres vistas em sua vida.

Poderia se dizer que todos temos um olhar para cada tipo de coisa, que o olhar é o espelho da alma. Para seu João, seus olhos não eram apenas o espelho de sua alma, eram a passagem de entrada pra sua paixão, nitidamente por Vivi. Com eles tudo que se via era considerado perfeito, intenso e inacabável. Podia-se dizer que era um sonho, uma imagem em sua mente que não mudava de forma negativa.

Todo dia às quatro da tarde ou no seu horário de almoço. Sempre saia do escritório para tomar um cafezinho na recepção, e lá estava ela, atendendo os clientes ou digitando no computador. De lábios rosados e de cabelos longos e loiros e ainda com sua fala doce, a deixava ainda mais irresistível. Incrivelmente perfeita, isso o fazia desencadear desejos só por olha-la.

A única coisa que o afastava era a aliança em seu dedo, casada, parecia bem feliz. João sempre se lembrava de fidelidade, ele era fiel, justamente por também ser casado. Mas, bem, que mulher era aquela! Parecia um fugitivo rebelde, que fugira de casa para encontra-la e ter conversas na hora do almoço com ela. Sempre pensava em uma razão para poder passar na recepção, lamentava que o banheiro não fosse perto da sala do cafezinho.

Certo dia a viu chorando. Sua maquiagem estava escorrida. Observando-a em frente ao espelho do banheiro feminino, a via lavando seu rosto com água a soluços angustiantes. João decidiu não ver mais isso. Estava se sentindo como um intruso na vida dela só por pensar em falar com ela se haveria algum problema pessoal ou qualquer outro. Mais tarde, passou pela recepção só para falar um “olá” . Enfim se convencer que nenhuma conversa futura sobre algo pessoal pudesse afetar seu casamento. Pois é só uma conversa, como tantas outras.

Já era noite e João estava saindo do escritório. No portão de saída do estacionamento a viu sem carro andando para o ponto de ônibus. Decidiu então pará-la, já que estava de carro e a oferecer uma carona.

Na viagem tudo ocorreu bem, como o esperado. Não houve choro, abraço reconfortante e nem muitas horas de conversas que poderiam dar em diversão e vinho. Ele esperava algo a mais, mas não podia. Foi apenas uma carona. Sempre a percebia mais sedutora, charmosa e diferente, isso o deixava louco.

Ao contrário de Vivi, sua esposa Daniela era muito ciumenta, porém uma mulher alegre e contagiante. Não era fácil quando João ficava até tarde no trabalho fazendo hora extra quando ela ligava a cada cinco minutos, se ele atendesse com certeza ela iria ligar de novo. Então, de tão estressado deixava o celular desligado. Sempre quando chegava em casa, ela fazia perguntas como: “Tá me traindo com outra mulher não é?”, “Por que não atendeu minhas ligações?”, “Muito ocupado com outra?”. Até ele explicar tudo de novo, não descansava, levando-o a ir direto para a cama e dormir sem ao menos dizer boa noite.

Não que ele não amasse sua mulher, apenas a via de outro jeito. Não era e não buscava isso nela. Sua beleza o atraia, mas não o convencia que deveria conquista-la todos os dias. Às vezes não se incomodava em pensar em outras mulheres em sua cama. Em pensar em Vivi, que levava-o a loucura.

Cansado pelo dia anterior, sabia o dia que ia ter. Só de pensar em muitas horas no escritório e ligações de sua mulher o deixava estressado. De ida para sua sala encontrou Vivi saindo da sala do chefe. Curiosamente ela passou por ele de cabeça baixa sem dizer nada. No dia seguinte não a viu mais. Perguntou para alguns funcionários de lá o que tinha ocorrido com ela e ninguém, infelizmente sabia responder. Só entendeu quando viu outra pessoa no lugar dela na recepção. Não há outra resposta, ela foi embora e o deixou. Sabia que aquela partida era perigosa para ele. Estava dividido, não iria procurá-la. Não havia como, era casado.

No dia seguinte pensou muito sobre várias coisas, inquieto e impaciente foi dar uma volta pela rua, queria se desligar do trabalho e de casa. Foi então que percebeu que estava cego tão cego que não poderia ver o que estava dentro de si. Poderia agora ver, Vivi foi embora, mas mesmo se estivesse ainda em sua vida certas coisas não poderiam deixar de acontecer.

Era claro que João iria pedir divórcio, iria encontrar sua esposa na lanchonete depois. Mas, ao chegar lá, parecia que ela estava tão confortável, estava falando com outro homem que parecia um velho amigo. O homem a via com tanta felicidade, tinha afeição que parecia que a tinha só para ela. Naquela imagem, percebeu uma vontade de não perde-la. Entendeu esse ciúme que ela sentia por ele. No meio a um abraço dos dois, sentiu uma vontade de conquista-la, de gritar para todos que ela é dele, sem ao menos ter certeza nessa hora. Não era apenas possessão, era vontade. Atração por quem não tinha há tempos. Ele que a queria sentir em seus braços novamente como antes. Sentir seu corpo e respiração ofegante no meio da excitação, beijar sua boca doce e perfeita como se beijasse uma rosa tão delicada e ao mesmo tempo tão perigosa. Mesmo que seu coração sangrasse ao mesmo tempo com a dor que a causou na hora por ela, seu amor avivaria tudo como tinta vermelha jogada num quadro. Não importava o sofrimento, contanto que viesse o seu amor para cura-lo. A queria como jamais quis. E Vivi? Não valia a pena, se pensasse o quão isso duraria, não valia mais do que o tempo de uma paixão de amantes condenados ao vazio preenchido de tempo limitado.

Voltou pra casa, a esperava em seu perfeito estado de consciência, não estava alterado, apenas paciente. Quando ela chegou, meio confusa, a lágrimas, sentou-se ao lado dele e perguntou:

— Acabou?

— Posso te dizer isso mostrando uma coisa?

Então ele a pegou pela mão e conduziu até a cozinha, se ajoelhou e pediu:

— Quer se casar comigo de novo?

Sem dar tempo para ela dizer alguma coisa, continuou:

— Mas, antes que diga algo, vem jantar comigo. Vem estar comigo de novo. Não consigo ver mais nada do que você todos os dias ao meu lado.

Sem hesitar ela disse:
— A piranha te largou não é? Porque só disse isso agora? Vou pra casa da minha mãe.

E saiu, como se não valesse aquela cena toda. Como que se o deixasse faria ele a seguir e aclamar por sua volta, e então se convencer que tudo isso era verdade. Porém, ele soube: se ela o amava com certeza voltaria. Se ele a esperar ou voltar para ele, sabe que nunca mais vai querer larga-la de novo.

“Não se deixe contaminar, não se deixe contaminar”, dizia para si mesmo, como se o mundo em que vivesse fosse perfeito e indestrutível aos olhos de quem o vê. Suas gotas de suor pela testa de repente pingam no chão e fazem um grande terremoto acontecer. Sua cabeça de tão pesada não cai, ao contrário, ela flutua como se fosse um balão que vai subindo cada vez mais e indo de um lugar para outro de acordo com a ordem do vento. Se morasse em uma bolha e um estranho entrasse nela, com certeza, o estranho iria ser igual a ele e iria mudar de visão. Ia enxergar o mundo de outra forma como ele. As coisas não iam ser só histórias de livros que dão asas a imaginação, ia ser um filme próprio vivido em tempo real sem roteiros.

– Não se deixe iludir – disse o estranho o acordando.

– Hã? Está falando comigo?

– Sim, meu amigo.

– Devo ter me esquecido da hora ouvindo música e acabei dormindo. - murmurou pra si mesmo. Levantando meio perdido, perguntou:

– O senhor sabe se passou um ônibus que vai pro terminal central?

– Acho que passou há uns 10 minutos atrás.

– Hum.

Estava ainda meio confuso com o que estranho tinha falado na primeira vez com ele quando tinha acordado e não achava uma boa ideia perguntar sobre isso. Sua mãe o ensinou a nunca falar com estranhos. Sua cabeça doía. Lembrou que não era mais uma criança que tem que obedecer a ordem dos pais porque não tem noção do perigo do mundo em sua volta. Então, com um sincero sorriso disse:

– Sabia que o senhor parece muito com meu pai?

– Olha garoto, se estiver procurando pele seu pai, com certeza não sou ele. Nunca tive filhos.

Meio a sensação de pouca simpatia do estranho, um silêncio mútuo invadiu o espaço, não havia muitas pessoas passando pela rua, nem carros buzinando, ou fazendo algum tipo de barulho que se costuma ouvir no trânsito. Lembrava-se do pai, sentia saudades, ao mesmo tempo uma raiva por não falar mais com ele. Isso depois de dois anos da separação de sua mãe com ele. Não tinha rancor, demonstrava isso ao falar dele com a mãe sempre que tinha um pesadelo no meio da noite.

Chegando em casa foi logo para o quarto, ficou horas na cama ouvindo músicas com seu celular. Era tão bom, podia se desconectar das sensações de tédio e raiva. As batidas pesada da música invadiam sua mente. Eram toda a noite a destruição que poderia ser feita no mundo a fora, mas nunca foram. Jogava seus pensamentos com violência para baixo e os chutava tão forte que poderia até matá-los. Essa era a vantagem, nada que fosse real iria alegrá-lo como se faz com pensamentos e ilusões que tem sobre a realidade mal entendida.

Já era tarde e sua mãe queria conversar.

– Filho? Num vem jantar?

– Num tô com fome mãe, vai embora.- disse aumentando o volume da música.

Meio preocupada entrou no quarto sem pensar:

– Filho... Preciso que me ouça, tenho uma coisa importante pra te dizer.

– Tá. - disse fingindo ter a escutado.

– Há um tempo você sabe, tenho conhecido alguém, e quero que o conheça, sei que vai gostar dele, ele virá aqui amanhã para jantar.

Percebeu que ela num ia sair dali, afirmou com um sinal positivo como se entendesse a mensagem. Ela então saiu feliz, como se tivesse passado por uma tempestade sem nenhum caos.
Primeiro um pé, depois o outro calmamente. Sente o vento e não se incomoda com o barulho dos carros lá em baixo.

As pessoas não costumam olhar muito para o céu. Lá em cima, ela se sente bem. Mas não se importa, o que lhe interessa mesmo é andar um pé atrás do outro na beirada do último andar do seu prédio.

Como se estivesse andando em uma corda bamba, mas sem rede para amortecer sua queda.

Sem ligações de entes queridos, sem mensagens no celular, sem e-mails engraçados e palavras aconchegantes.

"Eu sei que é difícil, mas... desculpe. Exis... existe outra pessoa...". Seus olhos se fecharam, não queria lembrar, queria que isso fosse de outra forma e com outras palavras. Acordada, se virou de lado na cama e cobriu-se inteiramente com o cobertor com olhos cheios de lágrimas e adormeceu.

Há três dias que não via a si mesma. Seu corpo era incontrolável aos seus passos que andavam cada vez mais rápidos sem se preocupar com as poças d’águas pelo caminho. Em cima do seu prédio, não achava que fazia sentido em se preocupar com a altura, muito menos com a queda. Sentia-se insegura em relação como isso tudo ia acabar. Não estava ali para pular, só estava pensando no perigo de todas as coisas poderiam lhe proporcionar. Até onde vamos por alguém? Se ele quisesse se livrar dela não seria a primeira vez que ela passaria dos limites do amor e passaria a fronteira entre a vida e a solitária morte.

No equilíbrio de seus pés e braços estendidos, ele chega e a surpreende dizendo:

— Sei o que está querendo fazer, mas não faça.

— Não é isso o que você está pensando. Não posso mais caminhar?

— Seja pra onde for não vá.

— Não me diga isso, se você já me deixou, suas palavras são inúteis. Sei que veio aqui para pegar suas coisas e ir embora.

— É isso pra você? Viver num meio fio e se dominar pelo vento que pode mudar seu equilíbrio a qualquer hora?

— Vá embora... Leve suas coisas e me deixe em paz.

— Tá. – disse se aproximando. – Mas você vem comigo. - puxou-a rapidamente antes de qualquer reação e caíram no chão de concreto.

— Você não devia ter feito isso! – disse zangada.

— Eu sei, eu sei. Só que não é só você que tem o direito de se equilibrar aqui em cima.

— O que você quer de mim? Já não ter a minha fraqueza já não é o suficiente?

— Não quero sua fraqueza, quero você bem, quero que tudo termine bem... Não se sinta mal por nós.

— Não me diga o que sentir! – disse gritando com lágrimas nos olhos. – Você não entende...

Ficaram ali parados, ela não queria sair dali, não queria caminhar, não queria falar, apenas observar as coisas como elas estão e finalmente sentir que tudo aquilo era loucura. Não se importava mais se ele estava ali, se iria embora. Compaixão: é isso que ele sentiu por ela naquele momento.

Sirenes e uma gritaria lá embaixo do prédio de repente tiraram a sua atenção, quando foi ver o que tinha acontecido lá de cima, um vento forte a desequilibrou e ela então se deixou cair como uma pena. Seu corpo e mente se afundaram e se desprendeu de todas as correntes de aço.
O som fazia vibrar tudo e tornava o mundo frágil, como vidro, podia estilhaçar-se a qualquer hora. Não era um terremoto externo, era uma erupção de sons que surgia a cada batida da pulsação de seu coração.

Seus olhos molhados, mas sem lágrimas para cair em seu rosto faz a purificação de sua alma ser inesquecível e inédita ao sentir seu amor. Assim, era frágil como uma rosa sem espinhos protegida pela terra que a vitalizava.

Era quase de madrugada. Devia ser mais de meia noite. Helena não sabia ao certo. Estava cansada como na noite anterior, quando não conseguia dormir mais. Deitada na cama em seu quarto, sozinha, se lembrava do sonho que teve com seu ex-marido. Tão vívidos e diferentes de sua realidade.

Havia anos que não se apaixonava. Vagando pela casa sem sono, era uma alma sem alma. Não gostava de sair. Estava certa que em qualquer lugar que fosse não sentiria nenhuma vigor. Todos os dias, Helena ainda se lembrava de seu recente e falecido amor, foi casada ha muitos anos com ele. Era um homem educado, generoso e de bom coração.

Não era o fim do mundo se a chegada da morte não alcançava à todos.. Além de trevas, ainda existia a luz. Uma imensa luz que alcançava uma imensa plenitude, com almas brancas e puras. Do calabouço, olhava a imensidão, não havia nada limitando sua passagem para o que via, o que exatamente queria. Como uma luz no fim do túnel, havia algo se aproximando. Diferente de outras almas, aquela em que mais se importava e sonhava toda noite vinha a seu caminho. Viria busca-la, seu eterno amor finalmente a ajudaria a sair da sua prisão.

Ao dar o primeiro passo para a liberdade, um buraco se formou, e , Helena caiu. As luzes, o paraíso que finalmente encontrou estavam ficando cada vez mais distantes e menores na escuridão que ia tomando sua visão. Levantou assustada com o coração ainda fraco.

Agora, acordada, não queria viver mias numa realidade que só a fazia sofrer. Sonhar com seu ex-marido foi um sinal. “Um sinal, uma chamada!” - repetia em um tom alegre – pois finalmente sabia como encontra-lo.

Já fazia dias que queria sair dessa prisão. Sua busca de liberdade finalmente acabava ali. Os sonhos com eu ex-marido falecido não eram suficientes. Eram passageiros. A morte nunca foi tão tentadora em toda a sua vida. Era o único caminho de passagem de volta pra ficar com ele. Sem nenhum tempo, eternamente livre, sem alma presa ao corpo.

Em um tempo atrás percebi como a televisão pode manipular as pessoas. Foi um caso que aconteceu com um amigo meu com o seu pai. Ele tinha me contado o quão estava frustrado por não poder ter ido ao show de rock. Não era em outra cidade, não era em um lugar enorme que podia ter mais dez mil pessoas. Era um show que ele esperava muito ir. Como dependia do dinheiro deles, e, sem ter um emprego, ele não achava outra saída se não pedir a eles. Para isso, teria que tentar mudar a opinião de seus pais para poder ir.
Chegou no dia para poder convencê-los e só o que ouviu foi: “Show de rock? Só tem drogas, prostituição, é coisa demônio, não é coisa de Deus”. Seu pai dizia o que a televisão mostrava e falava, só que com outras palavras. Na hora dele perguntar se ele tinha ido a um show desse tipo e onde ele tirou essa informação, seu pai dizia em um tom confiante e nada questionador: “Ora, a TV mostra, você não vê?”. Sim mostra, assim como mostra muitas outras coisas que não se pode negar, mas também não se pode generalizar.

Ha muito tempo quando se falava em rock só se pensava em “Sexo, drogas e Rock n’ Roll”, foi um estilo de vida para Ozzy Osbourne e de vários astros do rock e fãs, principalmente para os hippies que lançaram essa trilogia. Não se pode negar a mudança de época e também a sua popularização. A mídia é muito influenciável quando a pessoa não cria uma própria opinião sobre um determinado assunto, principalmente quando não procura saber mais sobre ele. Hoje, pode-se dizer que os shows não são exatamente iguais por ter um tipo de banda no palco, os lugares não são os mesmos. Existem as pessoas que podem consumir drogas, vende-las, mas isso não altera o tipo de pessoa que você é quando se está num show. Os “publicitários” com seus produtos podem até ser persuasivos, mas sempre tem seu público-alvo: os interessados e os que cedem facilmente. Tudo é questão de consciência. Não somos culpados pelo acontece ao nosso redor se não participarmos.

E o pai continua com sua velha "opinião", ouve a do filho, mas não muda a sua. Sua experiência diz que ha muito tempo é consciente, sem deixar contaminar pelas atrações malignas. Como Monteiro Lobato disse, “O jeca não é assim, ele está assim”.


Olhos furados, talvez inabilitados como suas pernas. Seu ego por dentro o chama de incapacitado. Apenas isolado do dinheiro. Casa sem ser sua, e rua onde pode morar. Pode até ser político, mas não quer roubar. Quer conseguir o dinheiro que tanto precisa no mês.
Nunca foi morador de rua. Acha que tem uma sorte grande por ser homem branco com roupas limpa. Mais vantagem para um desempregado que ainda se acha mendigo, por não trabalhar dignamente como um cidadão de nível bom. Como se trabalhasse na roça ou sertão, suando debaixo do sol quente no trabalho árduo, busca incansavelmente uma entrevista de emprego que o fizesse ser digno.

Não há riqueza sem trabalho, qualificação sem estudo e aprendizado. Como também não há salário de valor suficiente para suas despesas e impostos.

Um dia conheceu uma mulher linda, de cabelo preto levemente cacheado. Tinha olhos castanho-claros, esbelta e simpática. Não tinha outra chance, nem com ela e nem com outra entrevista de emprego. Tinha que conquista-la pelas qualidades, pelo olho a olho. Dependia ter um emprego naquela sala de entrevista. Não poderia flerta-la, mas iria conquista-la de outra forma. De homem pobre, seria um homem rico e charmoso, assim esperava.

Fé era sua força como um bom homem de Deus que era. Todas as noites ao passar pelos mendigos que dormiam ao lado da catedral, ele se questionava se veria ser um deles. Passou a rezar todos os dias na igreja. Não precisava de um milagre para que o salvasse do desemprego, ser guiado para o caminho certo era seu único desejo.

Seu amigo sempre dizia: “Estou ganhando muito dinheiro sem ter um trabalho. Por que não vem comigo no meu novo negócio?”. Não era papo de empreendedor, apesar de haver troca de mercadorias. Como sabia que isso não iria acabar bem, não achava que valeria a pena arriscar e passar uns anos na prisão por causa de venda ilegal de drogas.

— Por favor, Senhor Augusto? Alguém se chama Augusto?- perguntava a mulher que guiava os candidatos à sala de entrevista.

— Sou eu! – respondeu logo quando percebeu que não prestou atenção a primeira chamada.

— Por favor, senhor, pode entrar. – a mulher disse.

Essa era hora de mostrar suas qualidades naquela sala, depois que for demitido por causa da crise econômica que se enconrava na Europa, voltou ao Brasil para ter melhores condições e se encontrou na mesma. Semanas se passaram e nada de respostas.

Foi então que decidiu com a tristeza que se encontrava virar um palhaço de festas infantis. Essa poderia ser a alegria que tanto procurava. Persistiu nos seus objetivos até chegar a criar seu próprio circo. Achou então seu lugar e seu sorriso. O seu emprego definido dos seus sonhos que nunca tivera. Seu novo currículo não era preenchido por novas experiências profissionais, era preenchido por qualidades sem certificação, não valeria para empresas, valeria para si que acreditava ser capaz no que fazia. Não ficou charmoso e rico como esperava, pois ahora já achou seu lugar predistinado.
Assim que vi um anúncio no jornal pela manhã não pude apenas piscar uma vez, mas várias vezes. Meus olhos não estavam acreditando que uma pessoa poderia anunciar algo tão abstrato. “Vendem-se sonhos”, escrito bem grande sem nenhuma foto ilustrativa. Talvez eu possa ter entendido mal. Poderia ser um anúncio vendendo sonhos que normalmente é vendido em padaria, bem doce, bem branquinho e recheado, mas não pude de deixar de insistir comigo mesma em acreditar que era outro tipo de sonho. Parecia ter outro significado.


Fiquei por alguns minutos olhando para aquele anúncio e sem perceber me entreguei ao passado como um filme velho em minha cabeça: ‘A dona aranha subiu pela parede, veio a chuva forte e a derrubou [...]’. Péssimos dias de chuva pra ela, eu diria. Pois assim que me lembro de um ex-amigo de infância, que por coincidência perdeu sua padaria e muitos sonhos em uma enchente que emundava as ruas de São Paulo. Ele não comia nenhum sonho, embora o tenha vivido em seu próprio negócio.

Hoje não sei mais nada sobre ele, não o vejo desde que deu a entrevista a um jornal dizendo sobre a tragédia de ter pedido a sua padraria durante a enchente. Curiosamente peguei o anúncio velho no jornal e decidi ligar para o vendedor de sonhos.

Depois de alguns toques, finalmente ouvi uma voz:

— Alô?

— Alô, hum... Oi, você vende doces de padaria, tipo, sonhos?

— Não, lamento. Vou tirar o anúncio do jornal, mas como algumas pessoas ainda ligam pra cá para encomendar alguns, dou-lhes as minhas esperanças. Então boa sorte.

— Espere! – disse rápido quase sem fôlego. – Acho que conheço você só pela sua voz... Lembra de mim, sua colega de infância? Uma vez te chamei de medroso por não pegar uma casca de cigarra de uma árvore, lembra? Ah, e lamento sua perda, a padaria..

— Não quero falar nada, não te conheço. – disse com um tom de raiva e logo desligou telefone.
Depois disse nunca mais liguei para ele. Parecia tão carrancudo por tudo ir por água abaixo. Dias de chuva, pobre homem. Ainda mais pobre por não vender seus sonhos. Pensei que seguiria o caminho com dias de sol como a Dona Aranha. Queria ajudar, mas não sou a motivação do sujeito, nem sonho para ser seguido. Por outro lado, não se sabe se a enchente levou tudo e deixou-lhe novas motivações, para enfim conseguir outros objetivos que talvez tivesse em mente. Como disse antes, não sei de nada sobre o homem, só sei que nada é para sempre, nem os próprios sonhos.


Pareciam luzes brilhantes que davam um toque especial à noite, como estrelas no céu. Em meio a tantos carros que passavam ao lado da janela do banco do passageiro, o menino contia a observar com seus olhos grandes os outdoors que quase alcançavam as nuvens. Não eram fáceis de serem ignorados. Um deles tinham muitas propagandas. Especialmente  a propaganda de um carrinho de controle remoto que podia acender luzinhas. Como queria aquele brinquedo, não tinha dúvida que se pedisse ao seu pai não iria se arrepender. Então viu no pequeno clipe o desejo de conseguir aquilo que não tinha.

Ao ir para casa da avó como pai de carro, prometeu a si mesmo que se não tivesse aquele carrinho ia fazer de tudo para conseguir. Não era o tipo de carrinho que tinha, apesar de chorar muito pelos anteriores. Fazer qualquer promessa que o pai pedisse estava de bom tamanho, mesmo que não ganhasse outro no natal, era aquele, e outro não o substituiria, pois seu maior desejo de tê-lo supriria todas as suas outras necessidades de ter outro.

O pai como bom pai e esposo, que deixa a esposa com o cartão de crédito e os melhores brinquedos na mão do filho, mesmo não podendo pagar todas as contas, se enforcando de tantos números negativos que aparecem para ele, ainda não tem um coração duro. Muito pelo contrário, como bom pai e homem da família não deixa escapar a felicidade de vê-los com algo que sempre os deixam felizes. O pai aprendeu assim, de família pobre, esforçou-se muito para conseguir o que tem hoje. Mesmo sendo feliz quando não tinha muito que comer, do que brincar, tinha a imaginação de que as pedras do chão de sua casa fossem ouro, que a vareta de uma árvore fosse de repente uma varinha mágica que transformava vários caixotes em vários baús de joias, brinquedos e principalmente comida, daquelas que o estomago agradeceria até quando estivesse vazio. Mas sua ambição não era ter grandes riquezas ou muitas joias que pudesse guardar, mas tê-los em mão para que comprasse qualquer coisa que o faria feliz.

Assim pensava, pois enquanto comprava, comprava e comprava deixava algo para trás. Estava se fartando de coisas superficiais e deixando a família também assim. “Mas como são felizes”, pensava em voz alta. Adquiriu a felicidade com dinheiro. Como um produto com validade, sorriso no rosto só tinha mesmo o palhaço da tv. A falência veio a tona e o desespero também. Como iria comprar o carrinho que o filho tanto lhe pedia? Como iria satisfazer sua esposa com belas roupas e sapatos comprados pelo cartão de crédito? 

Como iria pagar tudo aquilo, já que não tinha mais emprego?

Deitou-se no chão com todas as contas que deveriam ser pagas e arqueou sua boca para baixo. Seu filho deitou com ele e chamou a mãe. Lá estavam sem nada no bolso, sem bens que poderiam fazê-los felizes, mas não valiam mais nada Tudo já estava no chão. Nada importava, a miséria o deixava como uma criança pobre como antigamente. Agora sabia o porquê de o seu pai ter sido pobre: a sua única felicidade é ter tido sua família perto de si sem precisar de mais nada para ser feliz.


Vendo nada de interessante passando pela janela, tudo parecia perfeitamente normal, como todo dia. Ao seu olhar, a imagem de rotina noturna não era diferente, não havia praticamente nenhuma movimentação naquele restaurante. Sempre ia lá com a família comemorar algum aniversário, e agora estava. Longe como que se pegasse um trem para qualquer outro lugar, a garota não estava muito atenta às conversas que aconteciam. O barulho que estava escondido no ambiente estava dentro de si.

Na hora de apagar as velinhas do bolo, grande ideia de sua mãe, ela hesitou em apagar. Queria logo assoprar os seus órgãos internos, principalmente seu pulmão envenenado pelo silencio preenchido pelo ar gritante.

Podia a qualquer momento sair do restaurante e correr como uma louca e acordar todos que estavam dormindo, incomodar a vizinhança dizendo que tudo em sua volta não passa de uma prisão onde é manipulada pelo capitalismo, que é uma pessoa explorada pelos políticos, mas só não diria que estava angustiada e qual era sua angustia. Não gritaria nenhuma palavra para esse mundo louco fora de si, mesmo com todas as razões para culpar qualquer um que passasse pela rua, não enxergava a própria culpa de não fazer nada a respeito sobre sua angústia quando nem se quer pensou sobre isso.

Pobre noite, que apesar dos olhos poderem ver o céu escuro, ainda é confundido pelo claro da lâmpada de seu quarto. Isso não daria pra explicar, impossível, que mesmo o céu escuro presente, noites são dias, e não se precisa dessas noites, o escuro já a predominou por dentro.

Depois de dias sem noites, foi mandada pelo seu próprio dever de ir ao centro de ônibus, como ainda não tinha carro, nem dinheiro para comprar um, dependia do transporte coletivo. Ia sem demora, mesmo que as contas não pudessem esperar mais nenhum dia se quer. Foi quando que sua angustia teve ouvidos, o rapaz sentado ao seu lado não era um orelhão que podia ser visto em qualquer esquina, mas nunca escutou algo que o fizesse tão insuportável e contrariado. “Eu não aguento mais, pra mim chega! Minha vida já está ruim, não tenho paciência pra nada mais nesse mundo, eu tenho ouvidos!”, ela disse. O que ninguém nunca teve coragem de falar naquele momento foi justamente falado por ela. Depois de alguns segundos, sem resposta, a música que estava sendo tocada no celular do rapaz se repetiu, como outras vezes quando estava no ônibus. Sem paciência, que tivera tantas vezes, pegou o celular do rapaz e jogou pra fora da janela. Agora sim estava em paz, sem nenhum barulho se quer em sua cabeça. Quando o rapaz saiu do ônibus, todos o olharam. Arrependida, foi atrás do rapaz e prometeu dar-lhe outro celular, mas com fones de ouvidos. O rapaz olhou fixamente para ela e depois começou a rir, saiu andando, ignorando tudo e a deixando pra traz, como se num quisesse mais nada.



Há um tempo que só o que ouço falar é sobre blogs e microblogs que fazem sucesso e ganham dinheiro .Redes sociais também, que cada dia é mais popular na internet. Pois bem, não sou viciada em twitter ou facebook, mas prezo uma boa comunicação. Mas ainda existem idosos que não costumam acessar muito a internet, ao contrário de muitos jovens, a não ser aqueles velhinhos da propagando do Windows 7. Sempre que via, me perguntava o porquê que meus avós nunca entravam na rede. Poxa, não seria nada de mais em ver eles pelo webcam e dizer um “olá”. Não sendo muito distante, a internet é a que mais facilita e dá acesso a estar mais “próximo das pessoas” não é mesmo?

Tão democrática e acessível, que em alguns caso, os idosos que já ouviram falar não tem interesse – não sabem o que perdem - por achar melhor ir na praça ou jogar bingo no domingo, ou simplesmente descansar na rede, por exemplo.



Imagino minha velhice muito diferente da dos meus avós, até sairia de casa para me descontrair, mas não deixaria de ler as notícias digitais ou dar uma acessada rápida em alguma rede social. Indo para um outro link, quero dizer, assunto, bastante contrariado no twitter a um tempo atrás, acredito que em outras redes também, sobre os projetos de lei SOPA e PIPA, acredito que nenhum governo, autoridade possa censurar a internet.


Só a um mundo que é verdadeiramente democrático: o virtual. Não dá para morar na internet, mas se morássemos seria o lugar mais igualitário que existe. Independente de não ser o mundo presente em que vivemos, não podemos deixar de questionar, lutar por direitos, pegar os políticos de perna curta e principalmente exercer o direito da democracia com consciência e responsabilidade. Afinal nós transmitimos conteúdo na internet, somos internautas transparentes que expõe as intenções e causas para enfim mudar a situação. Caso contrário, sem a internet, há um mundo podre cheio de corrupção, e com ela há uma força conjunta e comunicativa.