Nem todo mundo tem uma padaria

Assim que vi um anúncio no jornal pela manhã não pude apenas piscar uma vez, mas várias vezes. Meus olhos não estavam acreditando que uma pessoa poderia anunciar algo tão abstrato. “Vendem-se sonhos”, escrito bem grande sem nenhuma foto ilustrativa. Talvez eu possa ter entendido mal. Poderia ser um anúncio vendendo sonhos que normalmente é vendido em padaria, bem doce, bem branquinho e recheado, mas não pude de deixar de insistir comigo mesma em acreditar que era outro tipo de sonho. Parecia ter outro significado.


Fiquei por alguns minutos olhando para aquele anúncio e sem perceber me entreguei ao passado como um filme velho em minha cabeça: ‘A dona aranha subiu pela parede, veio a chuva forte e a derrubou [...]’. Péssimos dias de chuva pra ela, eu diria. Pois assim que me lembro de um ex-amigo de infância, que por coincidência perdeu sua padaria e muitos sonhos em uma enchente que emundava as ruas de São Paulo. Ele não comia nenhum sonho, embora o tenha vivido em seu próprio negócio.

Hoje não sei mais nada sobre ele, não o vejo desde que deu a entrevista a um jornal dizendo sobre a tragédia de ter pedido a sua padraria durante a enchente. Curiosamente peguei o anúncio velho no jornal e decidi ligar para o vendedor de sonhos.

Depois de alguns toques, finalmente ouvi uma voz:

— Alô?

— Alô, hum... Oi, você vende doces de padaria, tipo, sonhos?

— Não, lamento. Vou tirar o anúncio do jornal, mas como algumas pessoas ainda ligam pra cá para encomendar alguns, dou-lhes as minhas esperanças. Então boa sorte.

— Espere! – disse rápido quase sem fôlego. – Acho que conheço você só pela sua voz... Lembra de mim, sua colega de infância? Uma vez te chamei de medroso por não pegar uma casca de cigarra de uma árvore, lembra? Ah, e lamento sua perda, a padaria..

— Não quero falar nada, não te conheço. – disse com um tom de raiva e logo desligou telefone.
Depois disse nunca mais liguei para ele. Parecia tão carrancudo por tudo ir por água abaixo. Dias de chuva, pobre homem. Ainda mais pobre por não vender seus sonhos. Pensei que seguiria o caminho com dias de sol como a Dona Aranha. Queria ajudar, mas não sou a motivação do sujeito, nem sonho para ser seguido. Por outro lado, não se sabe se a enchente levou tudo e deixou-lhe novas motivações, para enfim conseguir outros objetivos que talvez tivesse em mente. Como disse antes, não sei de nada sobre o homem, só sei que nada é para sempre, nem os próprios sonhos.