“Não se deixe contaminar, não se deixe contaminar”, dizia para si mesmo, como se o mundo em que vivesse fosse perfeito e indestrutível aos olhos de quem o vê. Suas gotas de suor pela testa de repente pingam no chão e fazem um grande terremoto acontecer. Sua cabeça de tão pesada não cai, ao contrário, ela flutua como se fosse um balão que vai subindo cada vez mais e indo de um lugar para outro de acordo com a ordem do vento. Se morasse em uma bolha e um estranho entrasse nela, com certeza, o estranho iria ser igual a ele e iria mudar de visão. Ia enxergar o mundo de outra forma como ele. As coisas não iam ser só histórias de livros que dão asas a imaginação, ia ser um filme próprio vivido em tempo real sem roteiros.

– Não se deixe iludir – disse o estranho o acordando.

– Hã? Está falando comigo?

– Sim, meu amigo.

– Devo ter me esquecido da hora ouvindo música e acabei dormindo. - murmurou pra si mesmo. Levantando meio perdido, perguntou:

– O senhor sabe se passou um ônibus que vai pro terminal central?

– Acho que passou há uns 10 minutos atrás.

– Hum.

Estava ainda meio confuso com o que estranho tinha falado na primeira vez com ele quando tinha acordado e não achava uma boa ideia perguntar sobre isso. Sua mãe o ensinou a nunca falar com estranhos. Sua cabeça doía. Lembrou que não era mais uma criança que tem que obedecer a ordem dos pais porque não tem noção do perigo do mundo em sua volta. Então, com um sincero sorriso disse:

– Sabia que o senhor parece muito com meu pai?

– Olha garoto, se estiver procurando pele seu pai, com certeza não sou ele. Nunca tive filhos.

Meio a sensação de pouca simpatia do estranho, um silêncio mútuo invadiu o espaço, não havia muitas pessoas passando pela rua, nem carros buzinando, ou fazendo algum tipo de barulho que se costuma ouvir no trânsito. Lembrava-se do pai, sentia saudades, ao mesmo tempo uma raiva por não falar mais com ele. Isso depois de dois anos da separação de sua mãe com ele. Não tinha rancor, demonstrava isso ao falar dele com a mãe sempre que tinha um pesadelo no meio da noite.

Chegando em casa foi logo para o quarto, ficou horas na cama ouvindo músicas com seu celular. Era tão bom, podia se desconectar das sensações de tédio e raiva. As batidas pesada da música invadiam sua mente. Eram toda a noite a destruição que poderia ser feita no mundo a fora, mas nunca foram. Jogava seus pensamentos com violência para baixo e os chutava tão forte que poderia até matá-los. Essa era a vantagem, nada que fosse real iria alegrá-lo como se faz com pensamentos e ilusões que tem sobre a realidade mal entendida.

Já era tarde e sua mãe queria conversar.

– Filho? Num vem jantar?

– Num tô com fome mãe, vai embora.- disse aumentando o volume da música.

Meio preocupada entrou no quarto sem pensar:

– Filho... Preciso que me ouça, tenho uma coisa importante pra te dizer.

– Tá. - disse fingindo ter a escutado.

– Há um tempo você sabe, tenho conhecido alguém, e quero que o conheça, sei que vai gostar dele, ele virá aqui amanhã para jantar.

Percebeu que ela num ia sair dali, afirmou com um sinal positivo como se entendesse a mensagem. Ela então saiu feliz, como se tivesse passado por uma tempestade sem nenhum caos.
Primeiro um pé, depois o outro calmamente. Sente o vento e não se incomoda com o barulho dos carros lá em baixo.

As pessoas não costumam olhar muito para o céu. Lá em cima, ela se sente bem. Mas não se importa, o que lhe interessa mesmo é andar um pé atrás do outro na beirada do último andar do seu prédio.

Como se estivesse andando em uma corda bamba, mas sem rede para amortecer sua queda.

Sem ligações de entes queridos, sem mensagens no celular, sem e-mails engraçados e palavras aconchegantes.

"Eu sei que é difícil, mas... desculpe. Exis... existe outra pessoa...". Seus olhos se fecharam, não queria lembrar, queria que isso fosse de outra forma e com outras palavras. Acordada, se virou de lado na cama e cobriu-se inteiramente com o cobertor com olhos cheios de lágrimas e adormeceu.

Há três dias que não via a si mesma. Seu corpo era incontrolável aos seus passos que andavam cada vez mais rápidos sem se preocupar com as poças d’águas pelo caminho. Em cima do seu prédio, não achava que fazia sentido em se preocupar com a altura, muito menos com a queda. Sentia-se insegura em relação como isso tudo ia acabar. Não estava ali para pular, só estava pensando no perigo de todas as coisas poderiam lhe proporcionar. Até onde vamos por alguém? Se ele quisesse se livrar dela não seria a primeira vez que ela passaria dos limites do amor e passaria a fronteira entre a vida e a solitária morte.

No equilíbrio de seus pés e braços estendidos, ele chega e a surpreende dizendo:

— Sei o que está querendo fazer, mas não faça.

— Não é isso o que você está pensando. Não posso mais caminhar?

— Seja pra onde for não vá.

— Não me diga isso, se você já me deixou, suas palavras são inúteis. Sei que veio aqui para pegar suas coisas e ir embora.

— É isso pra você? Viver num meio fio e se dominar pelo vento que pode mudar seu equilíbrio a qualquer hora?

— Vá embora... Leve suas coisas e me deixe em paz.

— Tá. – disse se aproximando. – Mas você vem comigo. - puxou-a rapidamente antes de qualquer reação e caíram no chão de concreto.

— Você não devia ter feito isso! – disse zangada.

— Eu sei, eu sei. Só que não é só você que tem o direito de se equilibrar aqui em cima.

— O que você quer de mim? Já não ter a minha fraqueza já não é o suficiente?

— Não quero sua fraqueza, quero você bem, quero que tudo termine bem... Não se sinta mal por nós.

— Não me diga o que sentir! – disse gritando com lágrimas nos olhos. – Você não entende...

Ficaram ali parados, ela não queria sair dali, não queria caminhar, não queria falar, apenas observar as coisas como elas estão e finalmente sentir que tudo aquilo era loucura. Não se importava mais se ele estava ali, se iria embora. Compaixão: é isso que ele sentiu por ela naquele momento.

Sirenes e uma gritaria lá embaixo do prédio de repente tiraram a sua atenção, quando foi ver o que tinha acontecido lá de cima, um vento forte a desequilibrou e ela então se deixou cair como uma pena. Seu corpo e mente se afundaram e se desprendeu de todas as correntes de aço.
O som fazia vibrar tudo e tornava o mundo frágil, como vidro, podia estilhaçar-se a qualquer hora. Não era um terremoto externo, era uma erupção de sons que surgia a cada batida da pulsação de seu coração.

Seus olhos molhados, mas sem lágrimas para cair em seu rosto faz a purificação de sua alma ser inesquecível e inédita ao sentir seu amor. Assim, era frágil como uma rosa sem espinhos protegida pela terra que a vitalizava.

Era quase de madrugada. Devia ser mais de meia noite. Helena não sabia ao certo. Estava cansada como na noite anterior, quando não conseguia dormir mais. Deitada na cama em seu quarto, sozinha, se lembrava do sonho que teve com seu ex-marido. Tão vívidos e diferentes de sua realidade.

Havia anos que não se apaixonava. Vagando pela casa sem sono, era uma alma sem alma. Não gostava de sair. Estava certa que em qualquer lugar que fosse não sentiria nenhuma vigor. Todos os dias, Helena ainda se lembrava de seu recente e falecido amor, foi casada ha muitos anos com ele. Era um homem educado, generoso e de bom coração.

Não era o fim do mundo se a chegada da morte não alcançava à todos.. Além de trevas, ainda existia a luz. Uma imensa luz que alcançava uma imensa plenitude, com almas brancas e puras. Do calabouço, olhava a imensidão, não havia nada limitando sua passagem para o que via, o que exatamente queria. Como uma luz no fim do túnel, havia algo se aproximando. Diferente de outras almas, aquela em que mais se importava e sonhava toda noite vinha a seu caminho. Viria busca-la, seu eterno amor finalmente a ajudaria a sair da sua prisão.

Ao dar o primeiro passo para a liberdade, um buraco se formou, e , Helena caiu. As luzes, o paraíso que finalmente encontrou estavam ficando cada vez mais distantes e menores na escuridão que ia tomando sua visão. Levantou assustada com o coração ainda fraco.

Agora, acordada, não queria viver mias numa realidade que só a fazia sofrer. Sonhar com seu ex-marido foi um sinal. “Um sinal, uma chamada!” - repetia em um tom alegre – pois finalmente sabia como encontra-lo.

Já fazia dias que queria sair dessa prisão. Sua busca de liberdade finalmente acabava ali. Os sonhos com eu ex-marido falecido não eram suficientes. Eram passageiros. A morte nunca foi tão tentadora em toda a sua vida. Era o único caminho de passagem de volta pra ficar com ele. Sem nenhum tempo, eternamente livre, sem alma presa ao corpo.

Em um tempo atrás percebi como a televisão pode manipular as pessoas. Foi um caso que aconteceu com um amigo meu com o seu pai. Ele tinha me contado o quão estava frustrado por não poder ter ido ao show de rock. Não era em outra cidade, não era em um lugar enorme que podia ter mais dez mil pessoas. Era um show que ele esperava muito ir. Como dependia do dinheiro deles, e, sem ter um emprego, ele não achava outra saída se não pedir a eles. Para isso, teria que tentar mudar a opinião de seus pais para poder ir.
Chegou no dia para poder convencê-los e só o que ouviu foi: “Show de rock? Só tem drogas, prostituição, é coisa demônio, não é coisa de Deus”. Seu pai dizia o que a televisão mostrava e falava, só que com outras palavras. Na hora dele perguntar se ele tinha ido a um show desse tipo e onde ele tirou essa informação, seu pai dizia em um tom confiante e nada questionador: “Ora, a TV mostra, você não vê?”. Sim mostra, assim como mostra muitas outras coisas que não se pode negar, mas também não se pode generalizar.

Ha muito tempo quando se falava em rock só se pensava em “Sexo, drogas e Rock n’ Roll”, foi um estilo de vida para Ozzy Osbourne e de vários astros do rock e fãs, principalmente para os hippies que lançaram essa trilogia. Não se pode negar a mudança de época e também a sua popularização. A mídia é muito influenciável quando a pessoa não cria uma própria opinião sobre um determinado assunto, principalmente quando não procura saber mais sobre ele. Hoje, pode-se dizer que os shows não são exatamente iguais por ter um tipo de banda no palco, os lugares não são os mesmos. Existem as pessoas que podem consumir drogas, vende-las, mas isso não altera o tipo de pessoa que você é quando se está num show. Os “publicitários” com seus produtos podem até ser persuasivos, mas sempre tem seu público-alvo: os interessados e os que cedem facilmente. Tudo é questão de consciência. Não somos culpados pelo acontece ao nosso redor se não participarmos.

E o pai continua com sua velha "opinião", ouve a do filho, mas não muda a sua. Sua experiência diz que ha muito tempo é consciente, sem deixar contaminar pelas atrações malignas. Como Monteiro Lobato disse, “O jeca não é assim, ele está assim”.