Estava tremendo, fazia frio como qualquer outro inverno. Meu coração acelerava mais a cada minuto por conta do medo daquela escuridão vazia. Fui parar lá porque fui deixado na rua. Estava de moletom, e uma blusa de frio que me protegia até o pescoço. Foi um engano ser deixado ali. Meu celular não tinha mais bateria. Me restava procurar um orelhão, e logo. Comecei a andar, e vi a placa enferrujada da rua num poste. Pensei em situações que poderia sair se algo ruim se aproximasse. Fechei meu punho, como um corajoso homem que meu avô me ensinou a ser, olho para a frente sem piscar e vou indo em uma única direção. 

Se alguém vir do meu lado, penso em pegar logo qualquer tijolo que estaria jogado na calçada de uma das casas e saio em disparada para me proteger. Se vier com arma, corro mais rápido que puder. Se ouvisse passos atrás dos meus, olharia para trás para ter certeza e pararia na frente e olharia nos olhos do sujeito, fazendo o crer que se arrependerá de ter me seguido com más intensões.

Pisco mais uma vez, e volto a olhar para rua com pouca luz. Imaginar situações em que sou forte me faz esquecer do medo. Sobreviver é mais importante do que outra coisa nesse momento, e não importa como. De vez em quando via pequenos seres, urubus, que queriam minha carne, prevendo minha morte para se alimentarem. Lobos com seu grupo apenas observando, para depois rasgar a minha pele e dividir com outros do seu grupo. Percebi que o medo afeta, e me deixava mais paranoico a cada passo. Precisava sair, me deixe sair!

Acordei. Me aliviei na luz do dia que vinha pela janela com grades. Mais um dia, aqui, nesse abrigo. Minha história nem começou e ainda tenho muitos anos. O sol não é para todos. Esse é mais um dia nublado, aprendi a ser vítima e ao mesmo tempo um culpado.

Procuro minha mãe todos os dias nos meus sonhos. E espero, aqui nesse céu quadrado. Mas ainda serei do mundo, viver aventuras como nos desenhos animados, e ao mesmo tempo ser herói. 

Já passei por vários “pais” diferentes. Uma vez, um casal me olhou com dó para depois levar para casa deles. O nome dela era Isabel, e ele Pedro. No primeiro dia na casa deles, me levaram direto para o banheiro, em uma conversa curta antes de chegar no carro, perguntavam se eu me importava em ter pais brancos. Diferentes de mim, negro e quase um esqueleto. Não respondi, fiquei tímido, no meu canto e apenas acenando não com a cabeça, fingindo que não me importava a diferença que enxergavam em mim.

Sempre ficavam de olho em mim pela casa, olhando o ambiente. Lembro-me que tinha um pássaro banhado a ouro em um móvel que ficava na sala para enfeite. Quando me aproximava a ver aquela beleza, tiraram minha mão rapidamente do objeto. Não entendi o porquê, e no dia seguinte me levaram de voltava para meu quarto antigo.

 Fui dormir pensando que não merecia amor, e nem daria, não era digno. O moço que andava sempre de gravata e que ficava numa sala, me chamou e disse que naquele ponto seria difícil eu arranjar novos pais depois que eu tivesse 3 anos. Eu tinha 11 anos, e agora restou eu escolher ou ser escolhido?

Foi em uma madrugada que comecei a pensar, e seu sair daqui e encontrar coisas melhores lá fora. Comecei a ver os horários de visita, e os horários dos seguranças. Não foi difícil, porque o que eu tinha que fazer é sair com uma família até lá fora. Disse para eles que dessa vez tinha certeza que seriam meus novos pais, que os anteriores não eram iguais a eles.

Me levaram de carro, e sentei no banco de trás. Percebi que não havia tranca automática, e no farol vermelho, abri a porta do carro e sai em disparada para outro lado da rua no meio de tantos outros carros. Não queria parar de correr, me chamavam desesperados, mas nem tive vontade de olhar para trás. Segui para frente o quanto podia. Um carro veio descontrolado em minha direção e me atingiu com tanta força que não tive como desviar. Apaguei. 

Continuação.