Sem chaves

Primeiro um pé, depois o outro calmamente. Sente o vento e não se incomoda com o barulho dos carros lá em baixo.

As pessoas não costumam olhar muito para o céu. Lá em cima, ela se sente bem. Mas não se importa, o que lhe interessa mesmo é andar um pé atrás do outro na beirada do último andar do seu prédio.

Como se estivesse andando em uma corda bamba, mas sem rede para amortecer sua queda.

Sem ligações de entes queridos, sem mensagens no celular, sem e-mails engraçados e palavras aconchegantes.

"Eu sei que é difícil, mas... desculpe. Exis... existe outra pessoa...". Seus olhos se fecharam, não queria lembrar, queria que isso fosse de outra forma e com outras palavras. Acordada, se virou de lado na cama e cobriu-se inteiramente com o cobertor com olhos cheios de lágrimas e adormeceu.

Há três dias que não via a si mesma. Seu corpo era incontrolável aos seus passos que andavam cada vez mais rápidos sem se preocupar com as poças d’águas pelo caminho. Em cima do seu prédio, não achava que fazia sentido em se preocupar com a altura, muito menos com a queda. Sentia-se insegura em relação como isso tudo ia acabar. Não estava ali para pular, só estava pensando no perigo de todas as coisas poderiam lhe proporcionar. Até onde vamos por alguém? Se ele quisesse se livrar dela não seria a primeira vez que ela passaria dos limites do amor e passaria a fronteira entre a vida e a solitária morte.

No equilíbrio de seus pés e braços estendidos, ele chega e a surpreende dizendo:

— Sei o que está querendo fazer, mas não faça.

— Não é isso o que você está pensando. Não posso mais caminhar?

— Seja pra onde for não vá.

— Não me diga isso, se você já me deixou, suas palavras são inúteis. Sei que veio aqui para pegar suas coisas e ir embora.

— É isso pra você? Viver num meio fio e se dominar pelo vento que pode mudar seu equilíbrio a qualquer hora?

— Vá embora... Leve suas coisas e me deixe em paz.

— Tá. – disse se aproximando. – Mas você vem comigo. - puxou-a rapidamente antes de qualquer reação e caíram no chão de concreto.

— Você não devia ter feito isso! – disse zangada.

— Eu sei, eu sei. Só que não é só você que tem o direito de se equilibrar aqui em cima.

— O que você quer de mim? Já não ter a minha fraqueza já não é o suficiente?

— Não quero sua fraqueza, quero você bem, quero que tudo termine bem... Não se sinta mal por nós.

— Não me diga o que sentir! – disse gritando com lágrimas nos olhos. – Você não entende...

Ficaram ali parados, ela não queria sair dali, não queria caminhar, não queria falar, apenas observar as coisas como elas estão e finalmente sentir que tudo aquilo era loucura. Não se importava mais se ele estava ali, se iria embora. Compaixão: é isso que ele sentiu por ela naquele momento.

Sirenes e uma gritaria lá embaixo do prédio de repente tiraram a sua atenção, quando foi ver o que tinha acontecido lá de cima, um vento forte a desequilibrou e ela então se deixou cair como uma pena. Seu corpo e mente se afundaram e se desprendeu de todas as correntes de aço.