O currículo



Olhos furados, talvez inabilitados como suas pernas. Seu ego por dentro o chama de incapacitado. Apenas isolado do dinheiro. Casa sem ser sua, e rua onde pode morar. Pode até ser político, mas não quer roubar. Quer conseguir o dinheiro que tanto precisa no mês.
Nunca foi morador de rua. Acha que tem uma sorte grande por ser homem branco com roupas limpa. Mais vantagem para um desempregado que ainda se acha mendigo, por não trabalhar dignamente como um cidadão de nível bom. Como se trabalhasse na roça ou sertão, suando debaixo do sol quente no trabalho árduo, busca incansavelmente uma entrevista de emprego que o fizesse ser digno.

Não há riqueza sem trabalho, qualificação sem estudo e aprendizado. Como também não há salário de valor suficiente para suas despesas e impostos.

Um dia conheceu uma mulher linda, de cabelo preto levemente cacheado. Tinha olhos castanho-claros, esbelta e simpática. Não tinha outra chance, nem com ela e nem com outra entrevista de emprego. Tinha que conquista-la pelas qualidades, pelo olho a olho. Dependia ter um emprego naquela sala de entrevista. Não poderia flerta-la, mas iria conquista-la de outra forma. De homem pobre, seria um homem rico e charmoso, assim esperava.

Fé era sua força como um bom homem de Deus que era. Todas as noites ao passar pelos mendigos que dormiam ao lado da catedral, ele se questionava se veria ser um deles. Passou a rezar todos os dias na igreja. Não precisava de um milagre para que o salvasse do desemprego, ser guiado para o caminho certo era seu único desejo.

Seu amigo sempre dizia: “Estou ganhando muito dinheiro sem ter um trabalho. Por que não vem comigo no meu novo negócio?”. Não era papo de empreendedor, apesar de haver troca de mercadorias. Como sabia que isso não iria acabar bem, não achava que valeria a pena arriscar e passar uns anos na prisão por causa de venda ilegal de drogas.

— Por favor, Senhor Augusto? Alguém se chama Augusto?- perguntava a mulher que guiava os candidatos à sala de entrevista.

— Sou eu! – respondeu logo quando percebeu que não prestou atenção a primeira chamada.

— Por favor, senhor, pode entrar. – a mulher disse.

Essa era hora de mostrar suas qualidades naquela sala, depois que for demitido por causa da crise econômica que se enconrava na Europa, voltou ao Brasil para ter melhores condições e se encontrou na mesma. Semanas se passaram e nada de respostas.

Foi então que decidiu com a tristeza que se encontrava virar um palhaço de festas infantis. Essa poderia ser a alegria que tanto procurava. Persistiu nos seus objetivos até chegar a criar seu próprio circo. Achou então seu lugar e seu sorriso. O seu emprego definido dos seus sonhos que nunca tivera. Seu novo currículo não era preenchido por novas experiências profissionais, era preenchido por qualidades sem certificação, não valeria para empresas, valeria para si que acreditava ser capaz no que fazia. Não ficou charmoso e rico como esperava, pois ahora já achou seu lugar predistinado.