Dívidas com a felicidade



Pareciam luzes brilhantes que davam um toque especial à noite, como estrelas no céu. Em meio a tantos carros que passavam ao lado da janela do banco do passageiro, o menino contia a observar com seus olhos grandes os outdoors que quase alcançavam as nuvens. Não eram fáceis de serem ignorados. Um deles tinham muitas propagandas. Especialmente  a propaganda de um carrinho de controle remoto que podia acender luzinhas. Como queria aquele brinquedo, não tinha dúvida que se pedisse ao seu pai não iria se arrepender. Então viu no pequeno clipe o desejo de conseguir aquilo que não tinha.

Ao ir para casa da avó como pai de carro, prometeu a si mesmo que se não tivesse aquele carrinho ia fazer de tudo para conseguir. Não era o tipo de carrinho que tinha, apesar de chorar muito pelos anteriores. Fazer qualquer promessa que o pai pedisse estava de bom tamanho, mesmo que não ganhasse outro no natal, era aquele, e outro não o substituiria, pois seu maior desejo de tê-lo supriria todas as suas outras necessidades de ter outro.

O pai como bom pai e esposo, que deixa a esposa com o cartão de crédito e os melhores brinquedos na mão do filho, mesmo não podendo pagar todas as contas, se enforcando de tantos números negativos que aparecem para ele, ainda não tem um coração duro. Muito pelo contrário, como bom pai e homem da família não deixa escapar a felicidade de vê-los com algo que sempre os deixam felizes. O pai aprendeu assim, de família pobre, esforçou-se muito para conseguir o que tem hoje. Mesmo sendo feliz quando não tinha muito que comer, do que brincar, tinha a imaginação de que as pedras do chão de sua casa fossem ouro, que a vareta de uma árvore fosse de repente uma varinha mágica que transformava vários caixotes em vários baús de joias, brinquedos e principalmente comida, daquelas que o estomago agradeceria até quando estivesse vazio. Mas sua ambição não era ter grandes riquezas ou muitas joias que pudesse guardar, mas tê-los em mão para que comprasse qualquer coisa que o faria feliz.

Assim pensava, pois enquanto comprava, comprava e comprava deixava algo para trás. Estava se fartando de coisas superficiais e deixando a família também assim. “Mas como são felizes”, pensava em voz alta. Adquiriu a felicidade com dinheiro. Como um produto com validade, sorriso no rosto só tinha mesmo o palhaço da tv. A falência veio a tona e o desespero também. Como iria comprar o carrinho que o filho tanto lhe pedia? Como iria satisfazer sua esposa com belas roupas e sapatos comprados pelo cartão de crédito? 

Como iria pagar tudo aquilo, já que não tinha mais emprego?

Deitou-se no chão com todas as contas que deveriam ser pagas e arqueou sua boca para baixo. Seu filho deitou com ele e chamou a mãe. Lá estavam sem nada no bolso, sem bens que poderiam fazê-los felizes, mas não valiam mais nada Tudo já estava no chão. Nada importava, a miséria o deixava como uma criança pobre como antigamente. Agora sabia o porquê de o seu pai ter sido pobre: a sua única felicidade é ter tido sua família perto de si sem precisar de mais nada para ser feliz.