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Fiquei frente a frente com a temida prova do ENEM que nunca tinha conhecido. Confesso que cheguei ao primeiro dia confiante. Não quis me preocupar com o peso que a prova ao fazê-la. Pois sei da sua importância, e não queria me desesperar e perder a concentração. 

Ao contrário do que eu esperava de mim desde o começo do ano, não me concentrei todos os dias em ter pelo menos uma hora reservada para estudar. Alguns dias até que eu fazia simulado, revezava algumas equações de química, física e outras. Estudava nas aulas de português, biologia, e acreditava que não teria muita dificuldade. 

A prova, ao ser indiferente não faria de minhas súplicas um milagre para resolver as questões de matemática. Como cada um naquela sala, estive exausta e cansada ao passar das horas. Relataria aqui um estado de sobrevivência daqueles filmes que todo mundo sabe o quão é difícil uma pessoa sobreviver sozinha se não estiver preparada. Mas, esse não foi o caso. Seria um exagero, porque qualquer um teria condições de ir pro um lugar bem melhor se fosse sonhar em cima da folha de questões, ou apenas sair depois de duas horas. 

Depois do segundo dia de prova, nunca foi tão bom ver à tarde quase virando noite. Depois e horas numa sala em um fim de semana inteiro me senti mais disposta em aproveitar o fim tarde para fazer nada. 

Sempre tem aquelas notícias no jornal de pessoas que perderam ou teve algum caso inusitado na prova do ENEM: Um a estudante que teve seu filho num banheiro antes da prova; uma pessoa desatenta que se esqueceu de preencher o cartão de resposta; alguém vestido de Mário, etc. 

Em todas as alternativas, percebo que vão sempre te levar a um lugar, não importa qual seja se importa ou não, de qualquer jeito. 


Foi quando que não houve tempo para nada acontecer. Não podia dizer que eu estava em um lugar e que eu estava num tempo, porque eles não existiam naquele momento. É estranho, eu sei. Uma ideia de que tudo parece abstrato. Talvez fosse meu inconsciente.

O tempo é corrido, as pessoas não param para ver as coisas. Tudo ocorre sem tempo para o tempo. Pensar ficou difícil. Em uma calçada lotada de pedestres, cada um segue seu caminho. O ladrão que se disfarçava por causa das câmeras de segurança, os cachorros saiam para qualquer lugar ao serem expulsos das lojas e os mendigos pediam esmolas para poderem pagar uma passagem de ônibus para um dia voltarem para suas casas. Múltiplas cenas que aconteciam sem ao menos serem contadas e pensadas. Vistas com ansiedade e medo.

Chego em casa à tarde depois de um dia tenso e me lembro que tem uma garrafa de uísque na geladeira. Servido só nas ocasiões especiais e algumas vezes aproveitado em situações que não merecem apenas um copo d’agua. Tento ignorá-lo indo logo pro quarto, pego minha caneta e começo rabiscar uma folha branca.

Alguns minutos depois vejo o que fiz no papel, sem razão alguma não enxergo nenhuma beleza e sentido no meu desenho sem formas. Volto pra cozinha e tomo um copo de água gelado. Foi aí que pensei, nesse momento num preciso só de um copo d’agua. Abro a geladeira e pego a garrafa de uísque, me sirvo e comemoro meu dia com o tempo que ainda tenho.

 Lá estava Jeová. Eleito com mais de 60% dos votos em sua sala sentado em uma bela cadeira. Não era muito velho e só tinha cinco anos de política. Não foi só pelas promessas que o fez ganhar a eleição de sua cidade. O povo o conhecia. Ele sempre passava na rua e dizia um oi com um sorriso no rosto, sem nojo dos mais pobres. Simpático com todos, simples, humilde e honesto quanto nenhum outro político.

Antes se tornar um “engravatado” era açougueiro. Veio de uma família pobre. Nem por isso é ganancioso a ponto de ser um trapaceiro, corrupto e normal. Decepcionantemente estranho entre os politiqueiros. Bem que politicagem não difere muito de política. Hoje politiquice é política. Uma palavra que não precisa de ordem gramatical e nem de sinônimo pra fazer sentido. Afinal, quem precisa dela pra definir um candidato no poder? O Tiririca acho que não.

Nenhum político é culpado, como ladrão também diz que não é. Sem generalizar, vários votos não define a toda a opinião do povo. Só porque há esse tipo de político, não significa que era pra estar no poder. Cada cidade tem seus policiais. Os eleitores são os juízes, que muitas vezes cansados não veem o caso inteiro, e acabam logo com o caso sem ao menos terem provas suficientes para a decisão final.

Como eu estava dizendo, Jeová, que apesar não ser politiqueiro, era estranho. Foi estranhamente vencedor nas eleições.

Com o tempo, novas eleições foram feitas e novos “Jeovás” foram surgindo. Foi aí que o povo soube votar melhor, de juízes se tornaram analíticos de pós-graduação. Como os candidatos eram todos confiáveis, apresentavam novas promessas, sem nenhuma lei de ficha suja para impedi-los. O mundo acabou se tornando feliz pra sempre. E por aqui que acabo meu conto de fadas, onde nada é real até que todos enfim poderem acordar.

Em um tempo atrás percebi como a televisão pode manipular as pessoas. Foi um caso que aconteceu com um amigo meu com o seu pai. Ele tinha me contado o quão estava frustrado por não poder ter ido ao show de rock. Não era em outra cidade, não era em um lugar enorme que podia ter mais dez mil pessoas. Era um show que ele esperava muito ir. Como dependia do dinheiro deles, e, sem ter um emprego, ele não achava outra saída se não pedir a eles. Para isso, teria que tentar mudar a opinião de seus pais para poder ir.
Chegou no dia para poder convencê-los e só o que ouviu foi: “Show de rock? Só tem drogas, prostituição, é coisa demônio, não é coisa de Deus”. Seu pai dizia o que a televisão mostrava e falava, só que com outras palavras. Na hora dele perguntar se ele tinha ido a um show desse tipo e onde ele tirou essa informação, seu pai dizia em um tom confiante e nada questionador: “Ora, a TV mostra, você não vê?”. Sim mostra, assim como mostra muitas outras coisas que não se pode negar, mas também não se pode generalizar.

Ha muito tempo quando se falava em rock só se pensava em “Sexo, drogas e Rock n’ Roll”, foi um estilo de vida para Ozzy Osbourne e de vários astros do rock e fãs, principalmente para os hippies que lançaram essa trilogia. Não se pode negar a mudança de época e também a sua popularização. A mídia é muito influenciável quando a pessoa não cria uma própria opinião sobre um determinado assunto, principalmente quando não procura saber mais sobre ele. Hoje, pode-se dizer que os shows não são exatamente iguais por ter um tipo de banda no palco, os lugares não são os mesmos. Existem as pessoas que podem consumir drogas, vende-las, mas isso não altera o tipo de pessoa que você é quando se está num show. Os “publicitários” com seus produtos podem até ser persuasivos, mas sempre tem seu público-alvo: os interessados e os que cedem facilmente. Tudo é questão de consciência. Não somos culpados pelo acontece ao nosso redor se não participarmos.

E o pai continua com sua velha "opinião", ouve a do filho, mas não muda a sua. Sua experiência diz que ha muito tempo é consciente, sem deixar contaminar pelas atrações malignas. Como Monteiro Lobato disse, “O jeca não é assim, ele está assim”.


Olhos furados, talvez inabilitados como suas pernas. Seu ego por dentro o chama de incapacitado. Apenas isolado do dinheiro. Casa sem ser sua, e rua onde pode morar. Pode até ser político, mas não quer roubar. Quer conseguir o dinheiro que tanto precisa no mês.
Nunca foi morador de rua. Acha que tem uma sorte grande por ser homem branco com roupas limpa. Mais vantagem para um desempregado que ainda se acha mendigo, por não trabalhar dignamente como um cidadão de nível bom. Como se trabalhasse na roça ou sertão, suando debaixo do sol quente no trabalho árduo, busca incansavelmente uma entrevista de emprego que o fizesse ser digno.

Não há riqueza sem trabalho, qualificação sem estudo e aprendizado. Como também não há salário de valor suficiente para suas despesas e impostos.

Um dia conheceu uma mulher linda, de cabelo preto levemente cacheado. Tinha olhos castanho-claros, esbelta e simpática. Não tinha outra chance, nem com ela e nem com outra entrevista de emprego. Tinha que conquista-la pelas qualidades, pelo olho a olho. Dependia ter um emprego naquela sala de entrevista. Não poderia flerta-la, mas iria conquista-la de outra forma. De homem pobre, seria um homem rico e charmoso, assim esperava.

Fé era sua força como um bom homem de Deus que era. Todas as noites ao passar pelos mendigos que dormiam ao lado da catedral, ele se questionava se veria ser um deles. Passou a rezar todos os dias na igreja. Não precisava de um milagre para que o salvasse do desemprego, ser guiado para o caminho certo era seu único desejo.

Seu amigo sempre dizia: “Estou ganhando muito dinheiro sem ter um trabalho. Por que não vem comigo no meu novo negócio?”. Não era papo de empreendedor, apesar de haver troca de mercadorias. Como sabia que isso não iria acabar bem, não achava que valeria a pena arriscar e passar uns anos na prisão por causa de venda ilegal de drogas.

— Por favor, Senhor Augusto? Alguém se chama Augusto?- perguntava a mulher que guiava os candidatos à sala de entrevista.

— Sou eu! – respondeu logo quando percebeu que não prestou atenção a primeira chamada.

— Por favor, senhor, pode entrar. – a mulher disse.

Essa era hora de mostrar suas qualidades naquela sala, depois que for demitido por causa da crise econômica que se enconrava na Europa, voltou ao Brasil para ter melhores condições e se encontrou na mesma. Semanas se passaram e nada de respostas.

Foi então que decidiu com a tristeza que se encontrava virar um palhaço de festas infantis. Essa poderia ser a alegria que tanto procurava. Persistiu nos seus objetivos até chegar a criar seu próprio circo. Achou então seu lugar e seu sorriso. O seu emprego definido dos seus sonhos que nunca tivera. Seu novo currículo não era preenchido por novas experiências profissionais, era preenchido por qualidades sem certificação, não valeria para empresas, valeria para si que acreditava ser capaz no que fazia. Não ficou charmoso e rico como esperava, pois ahora já achou seu lugar predistinado.
Assim que vi um anúncio no jornal pela manhã não pude apenas piscar uma vez, mas várias vezes. Meus olhos não estavam acreditando que uma pessoa poderia anunciar algo tão abstrato. “Vendem-se sonhos”, escrito bem grande sem nenhuma foto ilustrativa. Talvez eu possa ter entendido mal. Poderia ser um anúncio vendendo sonhos que normalmente é vendido em padaria, bem doce, bem branquinho e recheado, mas não pude de deixar de insistir comigo mesma em acreditar que era outro tipo de sonho. Parecia ter outro significado.


Fiquei por alguns minutos olhando para aquele anúncio e sem perceber me entreguei ao passado como um filme velho em minha cabeça: ‘A dona aranha subiu pela parede, veio a chuva forte e a derrubou [...]’. Péssimos dias de chuva pra ela, eu diria. Pois assim que me lembro de um ex-amigo de infância, que por coincidência perdeu sua padaria e muitos sonhos em uma enchente que emundava as ruas de São Paulo. Ele não comia nenhum sonho, embora o tenha vivido em seu próprio negócio.

Hoje não sei mais nada sobre ele, não o vejo desde que deu a entrevista a um jornal dizendo sobre a tragédia de ter pedido a sua padraria durante a enchente. Curiosamente peguei o anúncio velho no jornal e decidi ligar para o vendedor de sonhos.

Depois de alguns toques, finalmente ouvi uma voz:

— Alô?

— Alô, hum... Oi, você vende doces de padaria, tipo, sonhos?

— Não, lamento. Vou tirar o anúncio do jornal, mas como algumas pessoas ainda ligam pra cá para encomendar alguns, dou-lhes as minhas esperanças. Então boa sorte.

— Espere! – disse rápido quase sem fôlego. – Acho que conheço você só pela sua voz... Lembra de mim, sua colega de infância? Uma vez te chamei de medroso por não pegar uma casca de cigarra de uma árvore, lembra? Ah, e lamento sua perda, a padaria..

— Não quero falar nada, não te conheço. – disse com um tom de raiva e logo desligou telefone.
Depois disse nunca mais liguei para ele. Parecia tão carrancudo por tudo ir por água abaixo. Dias de chuva, pobre homem. Ainda mais pobre por não vender seus sonhos. Pensei que seguiria o caminho com dias de sol como a Dona Aranha. Queria ajudar, mas não sou a motivação do sujeito, nem sonho para ser seguido. Por outro lado, não se sabe se a enchente levou tudo e deixou-lhe novas motivações, para enfim conseguir outros objetivos que talvez tivesse em mente. Como disse antes, não sei de nada sobre o homem, só sei que nada é para sempre, nem os próprios sonhos.