Lá estava Jeová. Eleito com mais de 60% dos votos em sua sala sentado em uma bela cadeira. Não era muito velho e só tinha cinco anos de política. Não foi só pelas promessas que o fez ganhar a eleição de sua cidade. O povo o conhecia. Ele sempre passava na rua e dizia um oi com um sorriso no rosto, sem nojo dos mais pobres. Simpático com todos, simples, humilde e honesto quanto nenhum outro político.

Antes se tornar um “engravatado” era açougueiro. Veio de uma família pobre. Nem por isso é ganancioso a ponto de ser um trapaceiro, corrupto e normal. Decepcionantemente estranho entre os politiqueiros. Bem que politicagem não difere muito de política. Hoje politiquice é política. Uma palavra que não precisa de ordem gramatical e nem de sinônimo pra fazer sentido. Afinal, quem precisa dela pra definir um candidato no poder? O Tiririca acho que não.

Nenhum político é culpado, como ladrão também diz que não é. Sem generalizar, vários votos não define a toda a opinião do povo. Só porque há esse tipo de político, não significa que era pra estar no poder. Cada cidade tem seus policiais. Os eleitores são os juízes, que muitas vezes cansados não veem o caso inteiro, e acabam logo com o caso sem ao menos terem provas suficientes para a decisão final.

Como eu estava dizendo, Jeová, que apesar não ser politiqueiro, era estranho. Foi estranhamente vencedor nas eleições.

Com o tempo, novas eleições foram feitas e novos “Jeovás” foram surgindo. Foi aí que o povo soube votar melhor, de juízes se tornaram analíticos de pós-graduação. Como os candidatos eram todos confiáveis, apresentavam novas promessas, sem nenhuma lei de ficha suja para impedi-los. O mundo acabou se tornando feliz pra sempre. E por aqui que acabo meu conto de fadas, onde nada é real até que todos enfim poderem acordar.

Não queria ficar ocioso em casa no sábado e ficar pensando no jantar que viria ser à noite. No seu quarto, tinha um retrato antigo do seu pai que nunca fora desprezado. Sempre ao ir dormir o via. Deitava em sua cama e conversava longas horas com ele.

Já eram oito horas da noite. Perto da hora de irem para o jantar, sua mãe apareceu. Estava linda. De vestido preto, parecia estar bem mais feliz do que de costume.

O restaurante não era elegante. Depois de confirmar a reserva, os dois foram guiados para a mesa de reserva pelo garçom. Um homem os esperava.

Espantado com a surpresa ele o viu:

- Pai?

Sem o que responder, seu pai levantou os braços sorrindo. Feliz, não esperava que seu filho o olhasse tão friamente. Foi tentar dar enfim um abraço nele. Repulsivo, com a atitude do pai, colocou a mão no bolso. Momentos depois, sua mãe foi a primeira a gritar. Sem dizer nada, com a mão cheia de sangue, saiu correndo e não se importou em deixá-los para trás.



Brevemente quase impedido pelo segurança, olhou por alguns segundos para seu pai. De longe, dava pra ver a faca em sua barriga espetada cheia de sangue.

Não pensava em mais nada. Queria fugir e sumir. Nessa hora seu pai estaria no hospital com sua mãe. Foi pra casa e logo no seu quarto todo bagunçado, pegou todas as suas roupas e pertences e colocou dentro de uma mochila. Sua pressa o fez deixar cair uma caixa dentro do guarda-roupa. Dentro tinha umas cartas que nunca foram abertas e enviadas. Lembrou que eram cartas escritas de despedida para seu pai há muitos anos. Começou a lê-las:

17 de dezembro

“Olá papai!
Neste ano pedi ao Papai Noel que dessa vez me desse um presente diferente. Pedi a ele que me trouxesse você. Sei que ele ao passar pelo mundo a dar presentes às crianças, não se esqueceria de trazer você pra mim. Talvez ele tenha a sorte de te encontrar em algum lugar em que eu não pude achar.
Estou com muitas saudades!”

18 de dezembro

 “Papai, não acredito que apesar de tudo, você pôde morrer. Mamãe disse que seríamos uma família feliz. Mas, apesar de você não estar aqui, está no céu todas as noites parar mim. Papai, que estrela é você?”

Frustrado, pegou a caixa de madeira e colocou todas as cartas dentro. Jogou tudo na lata de lixo e as queimou. Saiu de casa com o dinheiro que tinha.

Na rodoviária, olhares incertos o fitavam. Subiu no ônibus com a passagem comprada e ninguém mais soube dele. Pela janela, dentro do ônibus indo a lugar nenhum, lembrava-se do seu pai quando era criança, morto como acreditava.

Sem lágrimas no rosto ando vagarosamente sem dar nenhum suspiro. Ainda sinto meu corpo e coração gelados, e por alguma razão a pulsação das minhas veias. Minhas lágrimas por mais que possam ser maior que a minha força não saem de meus olhos tão petrificados.

Nenhuma raiva ou tristeza chegam a mim nesse meu estado angustiante, onde também não sinto novos sabores, cheiros ou novos ares. Talvez a solução fosse me cortar e acabar com tudo isso, mas isso só me causaria mais dor. É tudo dor, não quero mais senti-la! Não suporto mais. Queria eu transformar toda essa frieza dentro de mim em apenas amor. E quando a dor persistir em vir novamente, que se torne amor, amor e mais amor.