Sully



Imagem: johnny_automatic


Os carros passavam com os faróis acessos,  via-os com os lábios ressecados e pele queimada pelo sol. Olhou sua boneca junto ao seu corpo e a abraçou num gesto de maior carinho. Você me ama? Olhou-a fixamente e depois a carregou segurando-a com cuidado ao caminhar sem poder acordá-la, foram num lugar mais claro.

Ninguém foi bondoso naquela noite, os homens são maus, preferiam vê-la parada com fome e frio naquela beira de estrada sem ter pra onde ir. Por que ninguém não oferece uma carona? Quero muito ir embora daqui.


Esticou mais uma vez o braço para pedir carona. Por fim, uma caminhonete parou. O que faz aqui garota nesse lugar? Mostrando-se preocupado com a situação dela, o homem abriu a porta da frente e a convidou a entrar sem esperar uma reposta.

Ela explicou a ele que tinha que voltar pra casa, mas já era tarde, e que perdeu o celular. Analisou-o enquanto o silêncio permitia seu coração bater mais rápido por conta do nervosismo.

O homem tinha barbas e cabelos brancos, sua postura foi a mais gentil daquela noite. Ela entrou no carro e agradeceu-lhe.

Novamente, viu o outro lado da pista, os carros pareciam duvidosos, ao ponto de virar a qualquer momento e atingi-los. Uns passavam com faróis altos e agrediam lhe os seus olhos secos.

Sua boneca ficou no banco de trás, cheia de terra e arranhões. Deitada com pernas e braços abertos. Pare de me olhar, como se eu tivesse dó de você, sua boneca estúpida!  Olhou-a parada, sem se mexer e a viu sem um sorriso. Não foi feita com uma alegria falsa como a das outras bonecas. Essa não foi feita pra sorrir! Olhe os lábios dela,  não foram feitos para alegrar ninguém.

Por que eu tenho você? Eu te aguentei em meus braços, mas já estou cansada de te carregar. Por que não a deixe, menina? Ela  olhou novamente para o homem como se a qualquer momento poderia sentir o vazio da perda. Pare aqui, nesse posto de gasolina. Eu quero fazer uma coisa. O homem sem entender nada a deixou no posto e a observou por um tempo enquanto a esperava. Ela pegou a boneca no banco de trás e saiu à procura de uma menina que viu entrar no posto minutos antes com seu pai.

A viu olhando a maquina de doces, tão triste. Menininha, você quer saber de uma coisa? Se eu te der uma boneca, mesmo que não seja a melhor do mundo, você cuida dela? Não faça como eu, que a prendi para mim. A menina abriu um sorriso e a abraçou-a sem se importar em sujar a sua roupa limpa.